quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

"Por uma sociedade à Esquerda", 13 anos depois (II Parte - Liberdade, Igualdade e Fraternidade)

Sumário: Depois da primeira parte, publico agora mais um excerto da Moção "Por uma sociedade à Esquerda" apresentada há 13 anos ao XI Congresso Nacional do PS. Este capítulo, tem por título Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e incide sobre o papel dos Direitos Fundamentais, analisando sobretudo o papel do Direito à Iniciativa Privada, paradoxalmente tão ameaçado pela concentração económica resultante, justamente, do exercício desse mesmo Direito à Iniciativa Privada.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade



Tradicionalmente associa-se à Esquerda o valor Igualdade e à Direito o valor liberdade. Este critério distintivo simplista leva muitas vezes à associação à Esquerda de uma imagem cinzenta, redutora e uniformizadora da acção dos indivíduos.



Na génese da idade contemporânea a Esquerda embandeirava os valores da liberdade e igualdade de direitos cívicos. A Direita era nessa altura acérrima e o desenvolvimento de um sistema capitalista agreste, causador de gritantes situações de injustiça social e atentatórias à dignidade humana, ditaram o aparecimento de novas correntes políticas defensoras da igualdade social. Para a Direita bastava o regime de direitos e liberdades de participação cívica, sendo ainda renitente quanto à consagração do Princípio da Igualdade a muitos desses direitos.



Toda a evolução do pensamento de Esquerda em finais do Século XIX e início do Século XX levou à criação de dois grandes grupos de formações de Esquerda: um revolucionário, onde pontificavam a teorias Marxistas, e outro reformista, onde pontificaram as teorias de Bernstein. A primeira corrente levou aos resultados hoje conhecidos, pela absoluta falta de respeito pela individualidade humana. A segunda implementou em muitos países de regime económico uma segunda geração de Direitos, visando a criação de uma sociedade mais justa e humanizada.



Esta segunda geração de direitos de cidadania concretizou-se na criação, entre outras, de uma rede de serviços de educação, cultura e saúde ou dignificando as suas condições de vida com a introdução do salário mínimo, do direito a férias, da redução do horário de trabalho, do sistema de segurança social ou a garantia do direito à greve e liberdade de associação sindical.



Estes direitos foram sempre acompanhados pelo aprofundamento e alargamento do regime dos direitos fundamentais. A Esquerda Democrática, a qual o Partido Socialista representa, continua a sua luta pelo respeito pelos Direitos Humanos, não consentido qualquer atropelo ao seu conjunto ou isoladamente.



Somo hoje, mais que a Direita Neo-Liberal e Conservadora, guardiões dos direitos e liberdades mais elementares para o ser humano. A recusa da pena de morte a defesa das garantias processuais no sistema judicial e a concepção humanista do Direito Penal são acerrimamente defendidas pela Esquerda Democrática contrariando os ataques que têm sido lançados pela Direita Neo-Liberal e Conservadora.



A liberdade de expressão política, religiosa, cultural e artística encontram na Esquerda Democrática, par da defesa das minorias, um defensor implacável. A Esquerda Democrática luta intransigentemente pela defesa destes Direitos no plano interno e externo, não os sacrificando em função de interesses económicos, como tem sido feito por Governos oriundos de correntes Conservadoras e Neo-Liberais.



Pretendemos uma sociedade tolerante, onde o direito à diferença seja reconhecido e respeitado. O respeito pelas minorias é basilar para a sociedade tolerante que o Partido Socialista e a Esquerda Democrática concebem.



O repúdio e combate às manifestações de intolerância, em especial as violentas, devem ser vectores de qualquer política de esquerda.



Na realidade a preocupação obsessiva da Direita Neo-Liberal radica nas liberdades económicas, que desejam ver reforçadas em detrimento dos Direitos Sociais. Pretendem uma sociedade onde o Estado seja um árbitro, um elemento neutro na actividade económica e na correcção das desigualdades sociais. Esta concepção traduz uma visão individualista e selvática da sociedade, traduzindo-se numa verdadeira selva, onde só o mais forte sobrevive.



Esta não é seguramente a nossa visão. Há muito que defendemos a liberdade de empresa e o direito de propriedade. O que não concebemos é o seu exercício de forma totalmente desligada da função social que lhes assiste.



O livre exercício destas liberdades poria em causa a efectivação de uma sociedade justa e solidária, devendo assim o exercício destes direitos e liberdades ser balizado por forma a evitar abusos de posição dominante. Da mesma forma que a liberdade de expressão e imprensa se encontram balizados pelo direito a honra, ao bom nome e à privacidade.



É neste sentido que advogamos a intervenção do Estado na economia. Julgamos fundamental a defesa dos direitos dos trabalhadores e a existência de os direitos regulamentação laboral que os proteja, garantindo-lhe, aquilo que uma organização gerida em função e a dignidade do lucro nunca lhe daria. Situações como o trabalho infantil ou o subemprego, em que se assiste a uma exploração desenfreada dão força à nossa voz.



É pela nossa concepção solidária e fraterna da vida em sociedade que não renunciamos a um sistema de assistência social que faça face a situações de vulnerabilidade como o desemprego, a pobreza, a doença ou a velhice, dignificando a vida dos mais carenciados.



É por considerarmos que o ser humano nasce livre e igual em direitos que não renunciamos a promover uma igualdade de oportunidades, reflectida na protecção à infância e no direito à educação universal e gratuita. Continuaremos a lutar para que critérios de capacidade económica deixem de ditar a exclusão do acesso a graus mais elevados de ensino, em nome da auto-realização individual e da igualdade de oportunidades.



A concentração do poder económico, privada tal como foi demonstrado por Montesquieu para a concentração dos poderes públicos, é perigosa e atentatória dos direitos liberdades individuais, neste caso das liberdades económicas, em especial a liberdade de acesso ao mercado.



O processo de concentração empresarial privada dificulta o funcionamento desejável do mercado, com todos os prejuízos causados no consumidor. É nosso dever limitar estes processos por forma a que deles resultem situações monopolistas ou oligopolistas.



A protecção do consumidor e a defesa do ambiente serão necessariamente objectivos a prosseguir pela Esquerda Democrática, num combate assumido aos exercícios inadmissíveis dos direitos de liberdade económica.



Concebemos uma sociedade livre, tolerante, justa e solidária, onde os valores Liberdade, Igualdade e Fraternidade sejam os princípios orientadores básicos.



Nota: Neste capítulo abordam-se os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e a sua íntima ligação com o regime dos direitos fundamentais. Uma correcção: à data, por impreparação, errei na classificação dos direitos fundamentais em gerações. Na verdade, os Direitos Fundamentais de primeira geração, ou direitos de liberdade, prendem-se com a protecção do indivíduo face ao Estado; os de segunda geração, com os direitos de participação na vida pública; os de terceira geração, com os direitos sociais. Já à época se falava em Direitos Fundamentais de quarta geração, que se prendem com as novas realidades ditadas pela evolução tecnológica. Sobre esta matéria, ver Norberto Bobbio, “A Era dos Direitos”, Elsevier Editora, Rio de Janeiro, 2004.



Os Direitos Fundamentais foram aqui abordados de forma sumária, verificando-se uma especial atenção à liberdade de empresa, cuja efectividade numa economia de mercado depende, antes de mais, da verificação das condições de igualdade de acesso ao e permanência no mercado. E essas condições, já na altura estavam dificultadas.



Com efeito, a concentração económica que já então se fazia sentir causava grandes entraves à entrada e manutenção dos agentes económicos no mercado. Cada vez mais, em especial na distribuição e em algumas indústrias, se têm formado oligopólios e oligopsónios, que impossibilitam um acesso ao mercado justo e igualitário. Esta é, aliás, uma manifestação da Lei de Acumulação do Capital, formulada por Marx.



O fenómeno crescente da concentração económica, levou a pesados desequilíbrios entre grandes e pequenos operadores, inviabilizando a livre concorrência, e permitindo situações abusivas na fixação dos preços e na justa retribuição dos produtores.



No fundo, a economia de mercado, enquanto modelo não passa de uma utopia, por muito que nos queiram fazer crer no contrário, até mesmo com o uso do argumento piedoso, mas verdadeiro, de que o comunismo é uma utopia!



Continuo, hoje, a acreditar num modelo de economia mista, em que o funcionamento (imperfeito, e muitas vezes injusto) do mercado é corrigido, com critérios de equidade e justiça na repartição da riqueza, pela acção do Estado, que desta forma assume um papel fundamental na garantia de satisfação das necessidades colectivas e individuais.



O abandono deste paradigma, e o consequente afrouxamento da regulação e de outras formas de intervenção conduziram-nos à crise que vivemos, ditada por um complexo conjunto de factores, que na sua maioria foram gerados pela desregulação.



Muitos têm clamado por um novo Marx, por uma nova escola de pensamento que condense e sintetize um modelo económico alternativo. Em minha opinião, não será necessário chegar a tanto. O pensamento dos clássicos, lido à luz das realidades quotidianas e dos erros que a sua aplicação tenha originado, contemplando o multiculturalismo, a ecologia, ou as novas realizações tecnológicas, permitirá, sem sombra de dúvida, encontrar repostas para um mundo cada vez mais global e, paradoxalmente, injusto.

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