Sumário: A União Europeia instituiu a liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais, bem como a liberdade de estabelecimento. Como isntrumento para a concretização destes objectivos, instituiu o Euro, que independentemente do seu desempenho, visava evitar a concorrência desleal entre Estados, através de práticas de desvalorização competitiva da moeda. Medidas tendentes à harmonização fiscal que evitassem a circulação de capital parasitário, que sem desenvolver qualquer actividade relevante num país, lá colocam as suas participações sociais, para apenas beneficiarem de um regime fiscal mais favorável nunca foram tomadas.
Assim se permitiu a decisão da accionista principal da Jerónimo Martins, em transferir a sua posição no capital social desta para a Holanda. Todos ficámos chocados, mas esta não era a primeira operação do género, por empresas portuguesas. Pela nossa inércia, fomos também cumplices.
Igualmente desagradável, é a posição assumida pelo Sr. Alexandre Soares dos Santos, que viveu, até ao momento, apregoando nacionalismo, e cuja máscara cai com esta operação.
I – Foi notícia, criando grande escândalo, um pouco por todo o lado, a alienação da maioria do capital social da Jerónimo Martins, por parte de uma sociedade de direito português, a uma sociedade de direito holandês, controlada pelos mesmos accionistas, e que ostenta o mesmo nome.
Esta operação financeira apenas foi notícia pela grave situação económica que vivemos, e pelo facto de se tratar, claramente, de uma busca de um tratamento fiscal mais favorável. Com efeito, a sociedade alienante é uma holding, tal como a adquirente, e são destinadas a serem um instrumento de custódia de participações sociais.
Ora, o frenesim à volta desta notícia, apenas se pode dever ao momento preciso em que vivemos, pois operações idênticas já se verificaram em vários momentos anteriores, com grupos económicos de peso deste país, sem que se verificasse o coro de protestos e indignação que agora se verificou. Lembro tão só, os grupos Amorim, Sonae, Mota-Engil ou Galp, como exemplos deste tipo de operações.
Na verdade, em momentos anteriores ,este tipo de operações não suscitou qualquer onde de protestos ou indignação. Isso só demonstra que sim, somos culpados do estado a que chegámos, mas não pelo que consumimos ou pedimos emprestado… Somos, isso sim, culpados por tudo quanto até aqui consentimos, por tudo quanto até aqui não questionámos!
II – A integração europeia, e as consequentes liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento têm destas coisas: se permitem o fácil investimento em outros países da União Europeia, servindo assim para desenvolver livremente as actividades produtivas, permitem, por outro lado, o Tax Shopping, isto é a escolha do melhor país para pagar impostos, independentemente de por lá se desenvolver actividade relevante, ou não.
A competitividade fiscal é um mecanismo que pode, como se vê no caso em análise, criar graves distorções ao funcionamento do mercado único, na medida em que o carácter pária do capital, associado à sua livre circulação, permite a utilização de expedientes deste género, que se traduzem numa discrepância entre a repartição da carga fiscal e da actividade desenvolvida em cada Estado.
O Euro, que começou a circular há 10 anos, com todos os seus inconvenientes, foi criado para criar condições de estabilidade, evitando desvalorizações competitivas da moeda que pudessem perturbar a concorrência entre Estados, que sempre seriam tentados às práticas de desvalorização competitiva da moeda para melhorarem a sua competitividade dentro do mercado comum.
Assim se devia criar um mecanismo ao nível da fiscalidade que, sem por em causa a soberania de cada Estado na definição da sua política fiscal, criasse mecanismos de correcção destes efeitos parasitários das liberdades de circulação de capitais e de estabelecimento, por via, por exemplo, da repartição da tributação entre estados em função do Valor Acrescentado Bruto gerado em cada Estado.
III – De igual modo, por cá, deveremos reflectir sobre a nossa política fiscal e a repartição de encargos e sacrifícios que é feita, especialmente entre os rendimentos de capital e do trabalho. Por muito que se queixem as empresas da sua carga fiscal, a verdade é que o trabalho é muito mais fustigado.
Por exemplo, se o imposto a pagar respeitar a mais-valias, juros e dividendos, o Código de IRS aplica uma taxa liberatória de 25%, isto é, a taxa de imposto a pagar é de 25 %, imediatamente retida na fonte, podendo em alguns casos o sujeito passivo optar pelo englobamento e, se for caso disso, beneficiar de uma redução do imposto a pagar (o que será verificável em raras situações).
Acresce ainda que alguns os rendimentos de capitais, designadamente as mais-valias, são tributados a taxas especiais.
Ora, por norma, o trabalho é englobado e pode atingir taxas de mais de 40%! Verifica-se, pois, que viver de rendimentos é claramente menos taxado que viver do trabalho!
Por último, a tributação do património: verifica-se que a detenção de depósitos bancários e valores mobiliários ou participações sociais não é taxada. Já o património imobiliário, que é detido por grande número de portugueses, é fortemente taxado, e nem sequer são considerados os valores das dívidas associadas à aquisição do imóvel! No fundo, a generalidade dos portugueses, ao nível da tributação do património, paga sobre as próprias dívidas!
A clamorosa injustiça aqui descrita, foi já objecto de uma proposta do Bloco de Esquerda, prontamente chumbada pela maioria parlamentar, e pela maioria bem-falante dos comentadores económicos, que alegavam o perigo da fuga de capitais, a perda de competitividade fiscal e outros perigos e riscos que, como se viu pelo que agora sucedeu, não dependem da tributação do património!
IV – A operação levada a cabo pela Sociedade Comercial Francisco Manuel dos Santos, S.G.P.S, S.A., é do ponto de vista da legalidade legítima. Moralmente, será muito discutível, apesar de o capital ser pária e amoral.
Por mim, seria este um caso que mereceria igual tratamento a outros, não fosse a constante presença do Sr. Alexandre Soares dos Santos nos media, pregando a necessidade de coesão nacional, clamando por reformas económicas, sociais e laborais, pregando o seu apego e amor à Nação, na sua alegada intenção de contribuir para o sucesso nacional.
Demonstrou bem, com esta operação, as suas verdadeiras intenções e o ânimo que o move nas suas decisões empresariais.
Em suma, se o podíamos ver, como a personagem mais ou menos simpática do “Grilo Falante”, do “Pinóquio”, teremos, necessariamente de o ver agora como um verdadeiro “Frei Tomás”: “olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz…”
Só espero, que já não haja quem o louve, e o cite, e o aponte como exemplo, e o ache uma referência de patriotismo ou de coerência. Porque se isso suceder, tenho de me interrogar, como Almada Negreiros há cerca de um século, se a cegueira deste país não é incurável!
Ventosa, 3 de Janeiro de 2011
Rui Costa
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