quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O panfleto do Pingo Doce

Sumário: Já me havia referido ao episódio Jerónimo Martins. O boicote ao Pingo Doce pareceu-me despropositado. Afinal, economicamente não sou um liberal, e era o que mais me faltava colaborar com a tese de que o mercado poderia resolver a suas próprias falhas! Sempre pensei, e penso, que tal boicote deve ser feito aos políticos e partidos que, por acção ou omissão, permitem situações como as geradas pelos donos do Pingo Doce. Apesar de me manter um fiel cliente do Pingo Doce, tal não foi suficiente para demover o Senhor Pedro Soares dos Santos de me tentar fazer passar por parvo!


Fui ontem às compras ao Pingo Doce e dei de caras como um beatífico folheto de "Esclarecimento aos nosso clientes", subscrito por Pedro Soares dos Santos, Administrador Delegado da Jerónimo Martins S.G.P.S., S.A., dizendo, de relevante:
"1- A sede social do pingo Doce mantém-se, como sempre, em Portugal e nunca a sua alteração esteve em questão;
2 - As obrigações sociais e fiscais do Pingo Doce para com o Estado português e os seus cidadãos continuarão a ser honradas, como sempre foram, não havendo qualquer alteração ao nível do pagamento em Portugal dos impostos devidos, ao contrário do que tem sido divulgado e sugerido por muitos;
3 - A Jerónimo Martins, que detém maioritariamente o Pingo Doce, mantém também a sua sede e a sua residência fiscal em Portugal, continuando a contribuir social e fiscalmente neste país, sem qualquer alteração, como aliás sempre tem feito desde 1792."
Conclui o piedoso esclarecimento:
"Tudo o que ouvir ou ler em sentido contrário ao que aqui afirmamos pode considerar, sem margem para qualquer dúvida, falso e/ou demagógico."

Demagogia? Demagogia é, acima de tudo, alegar factos omitindo factos relevantes e distorcendo assim a realidade.

Todas as afirmações feitas em tal comunicado são verdadeiras. O Pingo Doce e Jerónimo Martins, S.G.P.S., S.A., continuarão a pagar os seus impostos em território português, seguramente que tais responsabilidades continuarão a ser honradas e seguramente que essas empresas se manterão em actividade em Portugal.
Faltou foi, isso sim, dizer que Sociedade Comercial Francisco Manuel dos Santos alienou a sua participação de cerca de 56% na Jerónimo Martins, S.G.P.S., S.A., que por sua vez é accionista maioritária da Pingo Doce, S.A., para uma sociedade de direito holandês.

E agora, perguntará o meu paciente leitor, em que representa isso uma perda de arrecadação fiscal para o Estado Português?

A resposta é simples: os accionistas dessa sociedade, que são donos de 56% do Grupo Jerónimo Martins pagarão menos IRS sobre os dividendos que recebem, pagarão menos IRC relativamente a essa sociedade e pagarão menos imposto sobre as mais valias eventualmente resultantes da alienação das suas participações. E isto, reportando a 56% da Jerónimo Martins, S.G.P.S., S.A.. é muito dinheiro!

Eu fui daqueles que decidi não aderir ao boicote. Por duas razões essenciais: em primeiro lugar, porque o principal grupo da concorrência usa o mesmo tipo de expedientes, tal como a maioria das empresas cotadas em bolsa e integrantes do PSI 20; em segundo lugar, porque não sendo adepto do liberalismo económico, o meu espírito de contrariar não me permitiu aderir à solução advogada pelos lunáticos que defendem o mercado como panaceia, e que sugeriram, como decorrência dessa visão, que o mercado resolveria o problema, com um boicote dos consumidores.

Tenham dó! Qual mercado? A verdadeira solução está na actuação dos órgãos de soberania na prevenção destes abusos. O Bloco de Esquerda, já apresentou dois projectos de lei visando prevenir estas maningâncias fiscais: o Projecto de Lei n.º 132/XII, que define o conceito de "Direcção efectiva em território português" e o Projecto de Lei n.º 133/XII, que "Introduz um mecanismo de salvaguarda da equidade fiscal para todos os contribuintes e elimina as isenções de tributação sobre as mais-valias obtidas por SGPS e Fundos de Investimento". Falta aqui, em minha opinião, um Projecto de Resolução, recomendando ao Governo que pugne pela existência de normas de transparência e harmonização fiscal na União Europeia, de forma a evitar que este capital parasitário, beneficie da livre circulação de capitais.

Com a votação destes projectos de lei saberemos quem está com estas manobras e quem se lhe opõe. E saberemos, seguramente, quem devemos boicotar.

Confesso-vos, que depois desta esfarrapada tentativa do Senhor Pedro Soares dos Santos me tomar por parvo, apesar de me manter um seu fiel cliente, tenho vontade de afinal, aderir também ao boicote ao Pingo Doce.

Ventosa, 11 de Janeiro de 2011

Rui Costa

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