quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A Maçonaria: resposta a algumas inquietações

Sumário: A Maçonaria está na ordem do dia, pelos piores motivos. As notícias recentemente publicadas provocaram uma panópila de reacções negativas em conversas de café e redes sociais. Impõe-se, por isso, responder com clareza às inquietações que daí advêm, inquietações a que não é alheia a  justa insatisfação de um Povo com a sua situação económica, social e política. Mas quando a esta justa insatisfação se soma a intolerância e o preconceito, o erro vem a caminho. E, nunca é de mais dizê-lo, a história já nos ensinou nos anos vinte e trinta do século XX, até onde nos pode conduzir a ignorância, o preconceito e o erro!



I - Ao longo destes dias temos sido confrontados com inúmeras notícias sobre o papel e influência da Maçonaria na vida política nacional. O sem número de conversas de café e comentários nas redes sociais, quase sempre a condenar a Maçonaria, e a lançar sobre ela graves anátemas, impõe alguns esclarecimentos e reflexões.

A Maçonaria é uma sociedade secreta (pese embora haja quem a prefira classificar como discreta), cujo escopo é a reflexão moral e filosófica, ritualística e que implica uma efectiva apreensão pelo maçon de um conjunto de conhecimentos, que só podem ser adquiridos progressivamente, na sua vivência enquanto tal, sendo por isso uma ordem iniciática.

Na Maçonaria discute-se tudo, Religião e Política incluídas, mas sempre com espírito apartidário e de tolerância, numa discussão descontextualizada dos espartilhos e rótulos de cada um dos seus membros. Sem a tolerância como valor fundamental, tal seria impossível de fazer em harmonia.

É nesta medida, conjugada com os elementos adquiridos por cada maçon no seu percurso iniciático, se forma o segredo maçónico.

II - O segredo da Maçonaria reside, antes de mais, no percurso iniciático de cada um dos maçons. Com facilidade poderão encontrar nas livrarias todo o género de materiais sobre maçonaria, alguns deles com uma descrição minuciosa dos respectivos ritos, o que, para muitos, transformará, afinal, o segredo maçónico num "segredo de polichinelo". Ora, o segredo maçónico não pode, senão, ser adquirido pela via iniciática.

A segunda dimensão do segredo maçónico é o dever de sigilo imposto aos seus membros relativamente à condição de maçon dos restantes, sendo livre, se assim o entender, de divulgar a sua própria condição.

Uma terceira dimensão do segredo maçónico prende-se com o dever de reserva das discussões tidas no seio da organização, como forma de garantir, não só o segredo relativamente à identidade dos seus membros, como também de preservar o carácter reservado dos trabalhos, enquanto discussões privadas.

Nenhuma destas dimensões do segredo maçónico difere do segredo praticado em outras organizações da sociedade: seja ele o segredo profissional, de confessionário, comercial e partidário, ou ainda o sigilo médico, fiscal ou bancário. 

Todas, mas todas as organizações e formas relacionais humanas têm normas de reserva sobre a sua actividade, organização e funcionamento. Dou, como exemplo claro, as relações familiares ou de amizade. Trata-se, tão só da reserva da intimidade de cada um de nós, para as qual escolhemos as melhores formas e pessoas com quem partilhar essa mesma intimidade.

III - Aqui chegados, e tendo em conta esta insistência de muitos na incompreensão da dimensão do segredo maçónico (apesar de, seguramente, defenderem com unhas e dentes o segredo nas suas organizações, nas suas relações e na sua família, como forma de preservarem a sua intimidade), verifica-se, com insistência,  a argumentação de que a Maçonaria influencia e toma decisões que a todos afectam, estando para o efeito destituída de legitimidade democrática, e chegando-se mesmo a invocar a sua desnecessidade numa sociedade democrática.

Mais uma vez, labora em erro quem assim pensa.

Em primeiro lugar, a Maçonaria não visa influenciar a sociedade. Visa, antes, dar instrumentos de aperfeiçoamento a quem a integra. Assim, a influência da Maçonaria na sociedade nunca se manifesta por uma acção concertada, mas sim pela acção individual de cada um dos seus membros.

Ora, as acções individuais de cada Homem são determinadas pela sua educação, percurso e ideais, e ainda pelo seu sentimento de pertença, a uma ideologia, partido, organização ou religião. Por isso, é natural que um maçon faça reflectir na sua conduta pessoal, profissional ou política os valores que adquiriu pela via iniciática na Maçonaria.

Com isto, cai por terra o argumento da ilegitimidade democrática da Maçonaria, na medida em que ela é destituída de Ius Imperii. A Maçonaria nada decide, nem dá orientações aos seus membros para tomarem decisões, seja no âmbito do Estado ou de qualquer outra organização dotada de poder.

Outras organizações influenciam muito mais a tomada de decisões, seja dos cidadãos individualmente considerados, seja dos órgãos de decisão política, como por exemplo os media ou os grupos económicos, cuja transparência nem sempre é clara, quer nas motivações, quer quanto à própria estrutura de decisão dos seus órgãos internos.

Por isto, a Maçonaria não tem que ter legitimidade democrática! Tal como não tem que ter (e não tem) a Igreja Católica...

Quanto à admissibilidade e necessidade da existência da Maçonaria num regime democrático, estranho que alguém o possa por em causa. Desde logo, porque não há democracia sem direito de associação e de reserva da vida privada. Sendo estes dois elementos integrantes do conceito de Estado de Direito Democrático, não se vislumbra como possa ser possível defendê-lo, condenado e proibindo a Maçonaria!

De resto, em todas as organizações e relações em que o Homem se integra, há cumplicidades, amizades e solidariedades que se formam, de acordo com a natureza humana, e influenciam as decisões de organizações. Passa-se entre maçons, entre católicos, entre vizinhos, entre colegas de escola ou de trabalho, entre amigos... Quem as não tem?

IV - A verdade é que a Maçonaria, através dos seus membros, esteve presente em muitas decisões, e sempre foi vincadamente progressista, um verdadeiro esteio dos Direitos, Liberdades e Garantias e da consolidação dos regimes democráticos.

Esteve na afirmação dos Direitos Fundamentais (em Portugal, desde logo na Constituição de 1822, pontificando na sua elaboração Fernandes Thomaz, maçon), na abolição da pena de morte (em Portugal defendida pelo maçon D. António Aires de Gouveia, Arcebispo de Calcedónia) ou na defesa do princípio da liberdade religiosa (em Portugal com Afonso Costa e a separação da Igreja e do Estado).

A verdade, também, é que a Maçonaria foi, e é ainda, proibida e perseguida, de uma forma geral, nos regimes totalitários, sejam eles de esquerda ou de direita. Estranha coincidência...

A este propósito, já vi posições que, respeitando este papel da Maçonaria, defendem que ela só tem utilidade quando em combate contra os totalitarismos, não se justificando em democracia. Ora, quantos totalitarismos não nasceram em democracias?

Por outro lado, não pode atribuir-se à Maçonaria a colocação dos seus membros em lugares de poder. Afinal, quem elege os órgãos dos partidos políticos? E quem elege os órgãos de soberania? É a Maçonaria? A resposta, como é evidente, é negativa: somos nós, o universo de militantes e eleitores que o fazemos. E escolhemos pelo que nos parece acertado e de acordo com as nossas necessidades e convicções. E elegemos maçons? Sim, da mesma forma que elegemos católicos, da mesma forma que elegemos gente comprometida com interesses económicos ou ainda da mesma forma que elegemos pessoas sobre as quais nada sabemos.

Com tantas formas de relacionamento e de poder que os Homens têm entre si, para além da Maçonaria, talvez esta seja, ironicamente, das mais transparentes!

Haverá, por ventura, Homens bons e Homens menos bons na Maçonaria. E assim tem de ser, pela sua natureza de Sociedade Humana. Há é que não confundir os Homens com a Instituição, nem tomar o todo pela parte!

Os comentários e conversas de café que tenho ouvido a respeito deste assunto, são tão ou mais preocupantes que as infundadas suspeitas que levantam. Na verdade exprimem a justa insatisfação  de um Povo com a sua situação económica, social e política. Mas quando a esta justa insatisfação se soma a intolerância e o preconceito, o erro vem a caminho. E, nunca é de mais dizê-lo, a história já nos ensinou nos anos vinte e trinta do século XX, até onde nos pode conduzir a ignorância, o preconceito e o erro!

Ventosa, 5 de Janeiro de 2011

Rui Costa

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