Sumário: Em tempos de austeridade, e em nome de uma pretensa igualdade de tratamento fiscal dos rendimentos de capitais, desagrava-se a tributação dos rendimentos prediais, ao mesmo tempo que se agrava a tributação dos rendimentos do trabalho, em claro desvio dos Princípios Constitucionais sobre a tributação do rendimento. Da pretensa igualdade fiscal, chegou-se à iniquidade fiscal. É tempo de lembrar as velhas liberdades ibéricas, de que Santo Isidoro de Sevilha foi percursor, e de apearmos o Governo injusto!
terça-feira, 16 de outubro de 2012
Como da igualdade se faz iniquidade fiscal
Sumário: Em tempos de austeridade, e em nome de uma pretensa igualdade de tratamento fiscal dos rendimentos de capitais, desagrava-se a tributação dos rendimentos prediais, ao mesmo tempo que se agrava a tributação dos rendimentos do trabalho, em claro desvio dos Princípios Constitucionais sobre a tributação do rendimento. Da pretensa igualdade fiscal, chegou-se à iniquidade fiscal. É tempo de lembrar as velhas liberdades ibéricas, de que Santo Isidoro de Sevilha foi percursor, e de apearmos o Governo injusto!
segunda-feira, 9 de julho de 2012
A função pública e equidade, segundo Vasco Pulido Valente (Aliás, a iniquidade de Vasco Pulido Valente)
Sumário: Vasco Pulido Valente, sob o título “Entendimentos da
equidade” fez publicar um artigo de opinião na edição de 8 de Julho de 2012 do
jornal “Público”. A propósito do recente acórdão do Tribunal Constitucional,
pretensamente em nome da equidade, faz o discurso da iniquidade, espezinhando a
dignidade profissional dos funcionários públicos. Mas também deturpando e
omitindo muitos aspectos. Este discurso explora os sentimentos mais básicos, e
constituí um verdadeiro ensaio do “discurso do ressentimento”. Impunha-se uma
resposta clara, denunciando a injustiça na repartição de sacrifícios. Basta de
atentados à inteligência dos portugueses!
segunda-feira, 11 de junho de 2012
Rui Rio, a direita autoritária e centralista e a Autonomia Local
Sumário: Rui Rio,
Presidente da Câmara Municipal do Porto veio por em causa a Autonomia Local.
Durante a Universidade do Poder Local, levada a cabo sob a égide da JSD, lá
tratou de dizer que os Municípios endividados não deveriam ter eleições,
devendo ser geridos por Comissões Administrativas. Significa isto que, perante
eventuais falhas na qualidade da gestão dos autarcas, são as populações
privadas da sua autonomia local. E é também uma afirmação própria da direita
portuguesa: uma direita centralista e autoritária. Ciclicamente, em tempos de
crise, a direita portuguesa promove movimentos centralizadores. É uma evidência
que a nossa direita não é liberal, mas é autoritária… Interessa ainda, neste
momento, perceber quais as causas do desequilíbrio financeiros das autarquias
locais, e que caminhos percorrer para uma efectiva autonomia local. Quanto a
Rui Rio é paradoxal que, referindo-se a má gestão, queira punir os eleitores e
não os eleitos!
sábado, 19 de maio de 2012
O Manifesto por uma Esquerda Livre e o Bloco
Sumário: Um conjunto de personalidades apresentaram, esta semana, o Manifesto por uma Esquerda Livre. Trata-se de um documento sem novidades, mas que gerou um conjunto de reacções que não poderiam ficar em claro. O momento não é de sectarismos, mas sim de construção de uma Esquerda popular, plural combativa e influente!
quarta-feira, 9 de maio de 2012
De Herne (Alemanha) para a Europa, pela Esquerda!
Sumário:
A realidade política europeia, quer seja quanto às suas políticas e ao
funcionamento das suas instituições estão na ordem do dia. Tal como na ordem do
dia estão as votações nas eleições do passado fim-de-semana. Tive a felicidade,
nesse momento, de estar em contacto com a realidade alemã e com cidadãos
europeus de outros países, bem como de ler “O eterno retorno do fascismo” de
Rob Riemen. Fiquei inquieto com o que apreendi e com os resultados eleitorais.
A ascensão da extrema-direita e a facilidade de penetração de discursos
simplistas, e muitas vezes de ressentimento impõem uma reflexão sobre a Europa
e a Esquerda. Mas também sobre o Bloco de Esquerda, reflexão que dedico a quem
de muito discordei: Miguel Portas. Sim, porque a Grande Esquerda se constrói
com a diferença!
terça-feira, 1 de maio de 2012
O Bodo aos Pobres, por Soares dos Santos. A que custo? À custa da dignidade…
Sumário: A promoção levada a cabo pelo “Pingo Doce”, em pleno 1.º de Maio, mobilizou dezenas de milhares de pessoas. Um verdadeiro bodo aos pobres, com consequências graves, e cujo preço pode ser afinal insuportável para o Povo Português e para o Estado de Direito Democrático. Com esta promoção poderá até ter sido posta em causa a autoridade do Estado. Até quando, e com que consequências?
segunda-feira, 5 de março de 2012
O desprezo pelas freguesias inscrito na Proposta de Lei n.º 44/XII: notas sobre a sua inconstitucionalidade
Sumário: A Proposta de Lei n.º 44/XII, do Governo, propõe o regime
jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica, visando a
redução do número de freguesias e criando um regime especial para a fusão
voluntária de municípios. Verifica-se o reforço da competência dos órgãos do
município no processo decisório, ao mesmo tempo que os órgãos das freguesias
são marginalizados. A participação dos órgãos da freguesia não é sequer
obrigatória, e da aplicação do regime proposto pode até suceder que ainda que
se pronunciem, a sua posição não tenha sequer assento formal no processo
decisório. Trata-se de um profundo desprezo pelas freguesias, que não só é
traduzido nos aspectos materiais, mas também nas normas formais e
procedimentais da Proposta de Lei n.º 44/XII, cuja análise aqui faremos.
Importa assim discorrer sobre a conformidade desta proposta com o
ordenamento constitucional, quer seja relativamente ao respeito pelo Princípio
da Autonomia das Autarquias Locais e pelo Princípio da Subsidiariedade,
inscritos no artigo 6.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, quer
seja em relação às garantias de audição das autarquias locais, previstas no
artigo 249.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 4.º, n.º 6 e
artigo 5.º da Carta Europeia da Autonomia Local.
quinta-feira, 1 de março de 2012
A agregação de freguesias na Proposta de Lei n.º 44/XII: um cocktail de eufemismo e demagogia?
Sumário: A Proposta de Lei n.º44/XII, do Governo, propõe o regime jurídico da reorganização administrativa territorial autárquica,
obrigando a uma profunda revisão do mapa das freguesias. Conscientes da
delicadeza da matéria, considerando a existência centenária, quando não milenar
das freguesias portuguesas, e do profundo enraizamento identitário das mesmas
junto das populações, o Governo procurou amenizar os efeitos negativos que esta
reforma, por essa via, pudesse originar. Há que lembrar que a única reforma
profunda que se tentou fazer do mapa das freguesias foi com a Lei da Administração
Civil, de Martens Ferrão, datada de 1867, cuja aplicação foi um dos motivos da
eclosão da “Janeirinha”, acabando por vigorar escassos 4 dias, e levando à
queda do Governo que a aprovou.
A verdade é que o Governo, que
com este diploma pretende, na verdade a redução do número de freguesias, por
fusão e extinção das mesmas, usando o termo agregação de freguesias para
designar, impropriamente, os mecanismos que propõe para a extinção e fusão de
freguesias, não se inibindo de criar um conjunto de instrumentos jurídicos para
a “preservação da identidade” das freguesias “agregadas”. Como demonstraremos,
para além da má técnica jurídica que encerram, estas medidas são inócuas, e
apenas revelam o eufemismo que encerra a expressão “agregação de freguesias”.
Medidas demagógicas que fazem tábua rasa da participação e da entidade das
populações. Mero folclore, ainda por cima mal encenado.
I - A Proposta de Lei n.º 44/XII
teve grande cuidado e preocupação com a aparência de manutenção da identidade
histórica das freguesias objecto de agregação, bem como dos seus naturais e
habitantes.
A constituição de novas
freguesias, resultantes do regime de reorganização administrativa territorial
autárquica é, nos termos desta iniciativa legislativa, designada por agregação
de freguesias.
Pese embora a Proposta de Lei n.º44/XII não definir, de forma clara, o conceito de “agregação de freguesias”,
traz-nos no seu artigo 7.º um conjunto de elementos que nos aproximam desse
conceito, e que indiciam que se trata de uma verdadeira fusão de freguesias.
O artigo 7.º da Proposta de Lein.º 44/XII prevê, em matéria de agregação de freguesias:
a) Que as freguesias criadas por efeito de
agregação têm a faculdade de incluir na respectiva designação a expressão
“União de Freguesias”, seguida da denominação de todas as freguesias que nela
se integram (artigo 7.º, n.º 1, alínea a);
b) A
preservação da identidade cultural e histórica das freguesias agregadas,
incluindo a manutenção dos símbolos das freguesias anteriores (artigo 7.º, n.º
3);
c) A
criação de um novo órgão, nas freguesias que resultem de agregação, composto
paritariamente por elementos de cada freguesia agregada, cuja designação
compete à Assembleia de freguesia (artigo 7.º, n.º 1, alínea b) e artigo 8.º).
Estas três possibilidades abertas
pela Proposta de Lei n.º 44/XII, pretendem fazer crer que se mantêm, no fundo,
a identidade e autonomia local das comunidades que são extintas na agregação da
freguesia. Em verdade não é o que se passa…
É o próprio artigo 7.º, n.º 2 da
Proposta de Lei n.º 44/XII que estabelece que “a freguesia criada por efeito da
agregação constitui uma nova pessoa colectiva territorial, dispõe de uma única
sede e integra o património, os recursos humanos, os direitos e obrigações das
freguesias agregadas”. Constitui-se, assim, uma nova autarquia local, ou melhor
dizendo, uma nova freguesia (é bastante infeliz, do ponto de sistemático a
opção pela expressão “pessoa colectiva territorial”), que integra um conjunto
de freguesias pré-existentes, que por este acto se extinguem, sucedendo-lhe a
nova freguesia em todos os seus direitos e obrigações.
E nem de outra forma poderia ser,
à luz da Constituição da República Portuguesa estabelece no seu artigo 244.º
que as freguesias dispõem, como órgãos, da Junta e da Assembleia de Freguesia,
devendo entender-se que cada freguesia dispõe obrigatoriamente destes órgãos,
sendo impossível a manutenção das mesmas enquanto autarquias locais se deles
não dispuserem, ou se os órgãos forem comuns a mais que uma freguesia.
Como ensina Jorge Miranda, em
anotação ao artigo 235.º da Constituição da República Portuguesa, “Por
haver “interesse próprio das respectivas populações”, eles têm de ser
prosseguidos por essas populações (pois são elas que melhor os poderá
prosseguir, num exercício de autodeterminação). Não basta que haja órgãos
locais para gerir assuntos locais, esses órgãos têm de ser constituídos democraticamente
para exprimir a vontade popular local.”[1].
Esta exigência constitucional implica que cada comunidade constituída como
autarquia local tenha os seus próprios órgãos, o que não verifica com cada uma
das freguesias objecto de agregação.
II – O conceito jurídico “agregação de
freguesias” é uma inovação no direito português, apenas se verificando a
existência de um conceito próximo nos Códigos Administativos de 1870, 1878,
1886, 1895 e 1896: a anexação de freguesias/paróquias.
Esta anexação era ditada pela falta de
cidadãos em número considerado suficiente para prover os órgãos das
freguesias/paróquias, ou no caso de as mesmas não possuírem os necessários
recursos económicos para fazer face às suas despesas.
No entanto, estas anexações eram
reversíveis, se cessassem os motivos que lhes deram origem, e os bens das freguesias/paróquias anexadas seriam integrados no
património da nova freguesia/paróquia, com excepção dos logradouros comuns, ou
baldios, que ficariam a pertencer exclusivamente aos moradores das povoações
que os usufruíam anteriormente, sendo os bens das freguesias/paróquias
anexadas, que não houvessem sido alienados, devolvidos ao património da
freguesia/paróquia de origem, em caso de desanexação.
Assim, o regime oitocentista das anexações de freguesias/paróquias não só
tinha critérios bem definidos, como previa a sua reversibilidade, o que não
encontra qualquer paralelo no regime previsto na Proposta de Lei n.º 44/XII. O
regime aqui proposto é muito mais atentatório à existência em concreto de
muitas freguesias, ficando-se a mesma pelas medidas já referidas de preservação
da identidade das anteriores freguesias, que revelam bem o carácter eufemístico
do conceito de “agregação de freguesias”.
III – A Proposta de Lei n.º44/XII prevê criação de um novo órgão da freguesia, que não é um órgão
representativo da freguesia (visto que estes estão taxativamente definidos no
artigo 244.º da Constituição da República Portuguesa), onde se pretende de
alguma forma dar representação às freguesias agregadas (ou mais rigorosamente
extintas ou fundidas), não se traduz numa efectiva garantia de autonomia das
populações das freguesias agregadas.
A designação dos membros dos
conselhos de freguesia compete às respectivas assembleias de freguesia (artigo
8.º, n.º 1), tratando-se de eleição indirecta e que nem sequer tem
correspondência com a dimensão das freguesias integradas, antes são designados
residentes de cada freguesia integrada, em igual número.
Com efeito, a Proposta de Lei n.º44/XII, ao criar o conselho de freguesia, não o dota de poderes deliberativos
(e nem poderia, por violação dos artigos 239.º e 244.º da Constituição da
República Portuguesa), e nem sequer de competências (fala antes, e
impropriamente, de incumbências – artigo 8.º, n.º 2). Tais incumbências, ou em
sentido mais próprio, competências, são de caracter consultivo e quando para
além disso não envolvem o exercício de poderes administrativos.
A propor este Conselho de
Freguesia, melhor seria que o Governo houvesse proposto a regulamentação das
organizações de moradores, previstas nos artigos 263.º a 265.º da Constituição
da República Portuguesa.
Estas estruturas, de base
territorial e de dimensão inferior à freguesia em que se encontram integradas
(artigo 264.º da Constituição da República Portuguesa), gozam do direito de
participação, sem voto, na respectiva assembleia de freguesia (artigo 265.º,
n.º 1, alínea b)) e poderão exercer as tarefas que a lei lhes confiar, ou os
órgãos das freguesias neles delegarem (artigo 265.º, n.º 2 da Constituição da
República Portuguesa).
Acresce ainda a legitimidade
democrática destas estruturas, cuja assembleia engloba todos os residentes na
respectiva área, inscritos no recenseamento da freguesia (artigo 264.º, n.º 2
da Constituição da República Portuguesa), sendo a comissão de moradores eleita
por escrutínio secreto pela assembleia de moradores e por ela livremente
destituída (artigo 264.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).
Até hoje, o legislador nunca
regulamentou a existência das organizações de moradores, verificando-se uma
inconstitucionalidade por omissão[2].
O Governo, com a Proposta de Lei n.º 44/XII poderia e deveria ter dado o
impulso legislativo para por cobro a esta situação, criando assim um novo meio
de participação cidadã. A sua opção foi, infelizmente diversa, preferindo a
criação deste inútil e pouco democrático conselho de freguesia.
Por outro lado, para além da dimensão de reforço da democracia
participativa, a regulamentação das organizações de moradores ganharia especial
relevo num cenário de redução do número de freguesias, permitindo aos cidadãos
de freguesias de maior dimensão encontrar um espaço de carácter institucional
de participação e defesa do seu bairro ou da sua localidade, e respectivas
especificidades.
Assim, não
resistimos a citar as avisadas palavras de Freitas do Amaral, referindo-se à
não regulamentação legal das organizações de moradores: “E é pena. Porque despidas do seu
fervor revolucionário original, e enquadradas no normal desempenho das funções
administrativas necessárias de um Estado de Direito Democrático, as
organizações de moradores poderiam ser bem úteis na prossecução de tarefas
concretas que as câmaras municipais e as juntas de freguesia tantas vezes
desprezam ou ignoram: o calcetamento de um passeio, a limpeza de um jardim, a
manutenção de espaços verdes, o recreio de crianças, o alerta para infracções ecológicas
ou para a degradação de casas de habitação, etc., etc..” [3]
IV – A manutenção do direito ao uso
dos símbolos das freguesias anteriores pela freguesia resultante da agregação,
prevista no artigo 7.º, n.º 3 da Proposta de Lei n.º 44/XII, pese embora a sua
inocuidade, não pode deixar de merecer alguns reparos.
Verifica-se que o referido preceito
não esclarece a que símbolos respeita, pois caso se trate de símbolos
heráldicos, os mesmos obedecem a um regime especial, aprovado pela Lei n.º53/91, de 7 de Agosto, que não se coaduna com a solução encontrada.
Desde logo, o artigo 5.º da Lei n.º53/91, de 7 de Agosto, prevê a extinção automática do direito ao uso aos
símbolos heráldicos com a extinção do seu titular. Ora, como já vimos supra, a
agregação de freguesias implica a respectiva extinção, e não tem sentido a
utilização dos mesmos por uma entidade diversa. Aliás, violaria o princípio da
univocidade previsto no artigo 10.º, alínea b) da Lei n.º 53/91, de 7 de
Agosto.
Por último, esta disposição no que respeita
á ordenação de símbolos heráldicos sempre seria desnecessária, atenta a
consideração da origem histórica da autarquia local e dos símbolos
anteriormente utilizados, nos termos do artigo 19.º, n.º 1 Lei n.º 53/91, de 7
de Agosto.
V – A naturalidade, enquanto elemento
de identificação de cada cidadão, constante dos documentos de identificação
oficiais e dos assentos de nascimento, implica a indicação da freguesia e
concelho nos termos do artigo 102.º, n.º 1, alínea d) do Código do RegistoCivil.
O artigo 7.º, n.º 4 da Proposta de Lei n.º 44/XIIprevê que “o
Governo regulará a possibilidade de os interessados nascidos antes da agregação
de freguesias prevista na presente lei solicitarem a manutenção no registo
civil da denominação da freguesia agregada onde nasceram.”
Esta alteração é inútil. Em primeiro
lugar, a naturalidade define-se no momento de nascimento, momento em que a
freguesia e concelho indicados no registo existiam, pelo que a sua alteração
superveniente não tem, nem deve produzir efeitos quanto ao registo civil, na
medida em que é um facto inalterável a existência de uma freguesia e concelho
num momento concreto. Aliás, não há, na experiência portuguesa, caso de
alterações desse género, pois as pessoas mantêm os dados da sua naturalidade,
apesar das alterações no mapa e designação das autarquias locais. Em Viseu, por
exemplo, todos os que são naturais da freguesia de Viseu Oriental, mantêm,
ainda hoje, essa designação na sua naturalidade.
Por outro lado, o artigo 62.º do
Código do Registo Civil consagra a inalterabilidade dos textos do registo,
cujos dados apenas podem ser alterados por averbamento, sendo que o catálogo
dos elementos sujeitos a averbamento ao registo de nascimento não inclui a
naturalidade (como se por ventura fosse possível alterá-la).
Por tudo isto, para além de
desnecessária, a formulação do artigo 7.º, n.º 4 da Proposta de Lei n.º 44/XII
é infeliz e até mesmo perniciosa para os objectivos a que se propõe, na medida
em que admite, ao contrário do que se prevê no Código do Registo Civil em vigor
a possibilidade de alteração dos dados relativos à naturalidade por alteração
da designação, por modificação territorial ou por extinção da freguesia de
naturalidade.
Uma última nota para dizer que
prevendo o artigo 14.º da Proposta de Lei n.º 44/XIIa fusão de municípios, e
sendo os concelhos um dos elementos a constar da naturalidade, se verifica que
inexiste qualquer disposição semelhante ao artigo 7.º, n.º 4 da Proposta de Lei n.º 44/XII relativamente à alteração da naturalidade em caso de fusão de
municípios. Tal apenas pode significar uma de duas coisas: ou a incongruência
desta Proposta de Lei, ou a descrença do Governo na fusão de municípios…
VI – A preservação da identidade das
“freguesias agregadas” que o Governo pretende garantir com a Proposta de Lei n.º 44/XII mais não é, tal como a própria expressão “agregação de freguesias”,
que um eufemismo destinado a maquilhar os verdadeiros objectivos que a Proposta
de Lei encerra: reduzir o número de freguesias por extinção e fusão das mesmas.
Como vimos, para além de inócuas e
desnecessárias, tais medidas chegam a ser mesmo contrárias aos objectivos que
visam, como se verifica em relação à naturalidade para efeitos de registo
civil.
Revelam ainda má técnica jurídica na
sua construção, como é o caso da preservação dos símbolos das freguesias
agregadas, e um completo desprezo pela democracia local, como é o caso da opção
pela instituição de conselhos de freguesia, em vez de regulamentar as
organizações de moradores constitucionalmente previstas.
A razão destas opções percebe-se. Como
já tivemos oportunidade de referir, a existência centenária, quando não milenar
e anterior à nacionalidade das freguesias, que mais não são que o velho mapa
das paroquias religiosas, encerra fortes sentimentos identitários das
respectivas populações.
Como também já referimos, a única
reforma de envergadura aproximada que se tentou fazer ao mapa das
freguesias foi a que resultou da Lei da Administração Civil, de Martens Ferrão,
datada de 1867, cuja aplicação foi um dos motivos da eclosão da “Janeirinha”,
acabando por vigorar escassos 4 dias, e levando à queda do Governo que a
aprovou.
Soe dizer o nosso Povo que
“cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”. O Governo
acautelou-se, no entanto usou de uma impressionante demagogia. Será que, mesmo
demagógicas e inócuas, tais medidas serão suficientes para satisfazer a
identidade individual e colectiva dos portugueses?
Ventosa, 1 de Março de 2012
Rui Costa
[1]
Jorge
Miranda, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Coordenação Jorge Miranda e Rui
de Medeiros, Tomo III, Coimbra Editora, 2007, página 446) .
[2]
No sentido
da inconstitucionalidade por omissão, ver Jorge Miranda, in “Constituição
Portuguesa Anotada”, Coordenação Jorge Miranda e Rui de Medeiros, Tomo III,
Coimbra Editora, 2007, página 548) .
[3] Diogo Freitas
do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Volume I, 3ª Edição, Almedina,
Coimbra, 2006, página 524.
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Arrendamento Urbano: do 8 ao 80! Que se espera da Esquerda?
Sumário: O arrendamento urbano, é uma questão controversa em Portugal. O seu actual regime tem gerado graves injustiças e iniquidades. E a Esquerda tem que o entender, até porque cruzadas ideológicas quanto aos arrendamentos vinculísticos não são necessariamente dirigidas contra o grande capital financeiro. Serão, na maioria dos casos, dirigidas contra cidadãos comuns, que pela fraca rentabilidade dos contratos de arrendamento, viram o seu património desvalorizar-se ao longo de décadas, em nome da concretização de uma política de habitação que incumbia ao Estado, e que este nunca logrou levar a cabo.
Mas tal argumento não significa que se deva apoiar uma reforma que em vez de regular, e de criar mecanismos que estanquem a especulação sem sacrifícios desproporcionados para proprietários, se limita a desregular a tornar o mercado de arrendamento numa verdadeira selva, onde a arbitrariedade dos senhorios irá imperar na fixação do valor das rendas e da duração dos contratos, criando uma nova precariedade nas classes mais desfavorecidas e nos inquilinos em geral.
O regime de arrendamento social, com a participação de privados aliciados com a diferenciação clara de regime fiscal aplicável é um meio de introduzir esse equilíbrio no mercado de arrendamento para habitação, cuja discussão continua entre o 8 e o 80!
segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
"Por uma sociedade à Esquerda", 13 anos depois (III Parte - Democracia Participativa)
Sumário: Nesta terceira parte da Moção "Por uma sociedade à Esquerda" abordo os problemas da Democracia Participativa e da organização da administração pública, fazendo referência à problemática da regionalização. Os 13 anos que passaram desde a elaboração do texto demonstram, de forma clara o pouco que se fez até hoje nesta matéria, sendo claros os medos e receios da classe política no aprofundamento de mecanismos de participação cidadã.
quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012
"Por uma sociedade à Esquerda", 13 anos depois (II Parte - Liberdade, Igualdade e Fraternidade)
Sumário: Depois da primeira parte, publico agora mais um excerto da Moção "Por uma sociedade à Esquerda" apresentada há 13 anos ao XI Congresso Nacional do PS. Este capítulo, tem por título Liberdade, Igualdade e Fraternidade, e incide sobre o papel dos Direitos Fundamentais, analisando sobretudo o papel do Direito à Iniciativa Privada, paradoxalmente tão ameaçado pela concentração económica resultante, justamente, do exercício desse mesmo Direito à Iniciativa Privada.
domingo, 29 de janeiro de 2012
"Por uma sociedade à Esquerda", 13 anos depois (I Parte)
Sumário: Em 21 de Janeiro de 1999, enquanto militante do Partido Socialista, apresentei uma moção sectorial ao XI Congresso Nacional. Em conversa com amigos, veio à baila este escrito, que se encontra ainda disponível on line, e cuja oportunidade em 1999 está cabalmente demonstrada. Com efeito, muitos dos problemas abordados revelam uma grande actualidade, e merecem reflexão, atento o estado a que chegámos. De então até hoje, deixei o Partido Socialista e passei, a partir de 2010, a militar no Bloco de Esquerda. Politicamente terei mudado de opinião? Verificava-se então, ou agora, incoerência entre o meu pensamento e a minha militância partidária? Estas são questões que poderão ter uma multiplicidade de respostas, dependendo do prisma de quem faça a análise. Num momento em que o PS chegou a este ponto e o BE debate internamente, julguei oportuno republicar este texto, corrigindo algumas gralhas, e intercalando, 13 anos depois, algumas anotações e reflexões pessoais. Pela extensão sua extensão, este documento será dividido em várias partes. Nesta primeira parte, farei uma introdução e enquadramento, publicando a primeira parte da moção, em que abordo os mass media e a globalização e os seus efeitos na democracia e na economia.
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Concertação Social ou a morte dos sindicatos, tal como os conhecemos
Sumário: Foi hoje assinado, com pompa e circunstância, o acordo de concertação social. Como já se havia verificado noutras épocas, a CGTP retirou-se da mesa negocial e a UGT negociou e consentiu num mau acordo para os trabalhadores. Associações Patronais e Governo congratularam-se com o acordo alcançado e afirmaram, de forma magnânima, que não há vencedores nem vencidos. Mas na verdade houve vencedores, na mesma medida em que houve vencidos. Vencedor, o Governo, que desta forma assume medidas drásticas para o saneamento financeiro do país, mais uma vez à custa da mole de trabalhadores que constituem a classe média. Vitoriosas as associações patronais, que ganham com a precariedade e a desregulação do mercado de trabalho e com o aumento do tempo de trabalho. Com este acordo, reduz-se o subsídio de desemprego (previamente pago pelos trabalhadores com as suas contribuições para a Segurança Social), aumentam-se tempos de trabalho e reduzem-se compensações por cessação de contrato de trabalho. Vencidos, os milhões de portugueses que são trabalhadores por conta de outrem, pelos motivos óbvios, e ainda por permanecerem impávidos e serenos, face à inevitabilidade que lhes foi vendida. E os movimentos sindicais? Esses não estão vencidos, estão mortos há muito, pelo menos na forma que os conhecemos, só que ainda ninguém lhes disse. Há que mudar este estado de coisas!
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
A transcendência constitucional da Autonomia Local e a reforma territorial
Sumário: A autonomia local é uma realidade pré-existente à Constituição, e não uma decorrência dela. Quer quanto à existência institucional das autarquias locais, quer, muitas vezes, quanto à existência em concreto de cada uma delas. Falamos de uma realidade que se perde com o início da sedentarização do Homem, em geral, e no caso concreto português, de realidades com centenas de anos de história, em alguns casos anteriores até à formação da nacionalidade. Estes factos dotam a autonomia local, quer se fale dela em termos gerais, enquanto instituição do Direito, quer em termos concretos, no que tange à existência de cada autarquia local individualmente considerada, de uma legitimidade autónoma e na maioria dos casos anterior e transcendente à própria legitimidade que funda a Constituição. A reforma que se pretende fazer tem, por isso, necessariamente de ser feita com a participação das populações. De resto, é uma imposição da Carta Europeia da Autonomia Local, que aliás prescreve o recurso ao referendo, no seu artigo 5.º. A via do referendo como legitimação da reforma do mapa das autarquias locais deve ser, por tudo isto, a via escolhida para qualquer reforma que se venha a fazer.
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
O panfleto do Pingo Doce
Sumário: Já me havia referido ao episódio Jerónimo Martins. O boicote ao Pingo Doce pareceu-me despropositado. Afinal, economicamente não sou um liberal, e era o que mais me faltava colaborar com a tese de que o mercado poderia resolver a suas próprias falhas! Sempre pensei, e penso, que tal boicote deve ser feito aos políticos e partidos que, por acção ou omissão, permitem situações como as geradas pelos donos do Pingo Doce. Apesar de me manter um fiel cliente do Pingo Doce, tal não foi suficiente para demover o Senhor Pedro Soares dos Santos de me tentar fazer passar por parvo!
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Iniciativa Legislativa de Cidadãos: quem tem medo da democracia participativa?
Sumário: A possibilidade de cidadãos eleitores apresentarem iniciativas legislativas à Assembleia da República foi aberta com a Revisão Constitucional de 1997. Só em 2003 viria a ser regulamentada por lei, cujos requisitos para apresentação de iniciativas legislativas por cidadãos são tão exigentes que, em mais de 8 anos de vigência, apenas foi apresentada uma iniciativa legislativa de cidadãos! Por outro lado, a iniciativa legislativa de cidadãos é limitada a várias matérias, algumas por razões constitucionais, outras por razões inexplicáveis, como é o caso do estatuto de titulares de cargos políticos. Trata-se, no fundo de esvaziar materialmente este instituto de Democracia Participativa. No presente artigo procura-se falar criticamente do regime jurídico da Iniciativa Legislativa de Cidadãos e fazer a crítica à actuação dos partidos políticos portugueses nesta matéria. Sugerem-se ainda algumas alterações ao actual regime para que a iniciativa legislativa cidadã seja um efectivo instrumento de Democracia Participativa.
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
A Maçonaria: resposta às inquietações de Daniel Oliveira
Sumário: Daniel Oliveira publicou "Maçonaria: a loja de coveniência da democracia". Tal texto, pela gravidade de algumas considerações sobre a Maçonaria e uma posição de ataque a Direitos Fundamentais nele sugerida, não pode passar sem uma resposta clara. Em muitos aspectos é um texto cujo teor e conclusões põem em causa não só a honorabilidade da Maçonaria, como os mais basilares Princípios do Estado de Direito Democrático.
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
A Maçonaria: resposta a algumas inquietações
Sumário: A Maçonaria está na ordem do dia, pelos piores motivos. As notícias recentemente publicadas provocaram uma panópila de reacções negativas em conversas de café e redes sociais. Impõe-se, por isso, responder com clareza às inquietações que daí advêm, inquietações a que não é alheia a justa insatisfação de um Povo com a sua situação económica, social e política. Mas quando a esta justa insatisfação se soma a intolerância e o preconceito, o erro vem a caminho. E, nunca é de mais dizê-lo, a história já nos ensinou nos anos vinte e trinta do século XX, até onde nos pode conduzir a ignorância, o preconceito e o erro!
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
A “Janeirinha”, uma grosa de anos depois, os mesmos problemas!
Sumário: Portugal, 4 de Janeiro - reforma do mapa das freguesias e concelhos, aumento dos impostos sobre o consumo e reestruturação do Ministério da fazenda. Não, não se trata de 4 de Janeiro de 2012, mas sim de 4 de Janeiro de 1868. Na sequência deste conjunto de reformas, que geraram grande descontentamento popular, eclodiu no Porto, a 1 de Janeiro de 1868, uma grande revolta popular que viria a conduzir à queda do Governo, a 4 de Janeiro de 1868.
As profundas raízes do poder local e do receituário para a resolução das crises económicas e financeiras do país aconselham, nesta data, a visita a estes acontecimentos do passado, procurando aprender com os erros de então.
Perceber, no fundo, que os Portugueses nem sempre estiveram letárgicos nas dificuldades e da importância da sua participação em reformas como a do mapa administrativo.
As profundas raízes do poder local e do receituário para a resolução das crises económicas e financeiras do país aconselham, nesta data, a visita a estes acontecimentos do passado, procurando aprender com os erros de então.
Perceber, no fundo, que os Portugueses nem sempre estiveram letárgicos nas dificuldades e da importância da sua participação em reformas como a do mapa administrativo.
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
Alexandre Soares dos Santos, de Grilo Falante a Frei Tomás: crise, União Europeia, livre circulação de capitais e competitividade fiscal
Sumário: A União Europeia instituiu a liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais, bem como a liberdade de estabelecimento. Como isntrumento para a concretização destes objectivos, instituiu o Euro, que independentemente do seu desempenho, visava evitar a concorrência desleal entre Estados, através de práticas de desvalorização competitiva da moeda. Medidas tendentes à harmonização fiscal que evitassem a circulação de capital parasitário, que sem desenvolver qualquer actividade relevante num país, lá colocam as suas participações sociais, para apenas beneficiarem de um regime fiscal mais favorável nunca foram tomadas.
Assim se permitiu a decisão da accionista principal da Jerónimo Martins, em transferir a sua posição no capital social desta para a Holanda. Todos ficámos chocados, mas esta não era a primeira operação do género, por empresas portuguesas. Pela nossa inércia, fomos também cumplices.
Igualmente desagradável, é a posição assumida pelo Sr. Alexandre Soares dos Santos, que viveu, até ao momento, apregoando nacionalismo, e cuja máscara cai com esta operação.
Mensagem de 2012: Vim para vos incomodar, não vim para vos conformar
I - Chegados que estamos ao cabo deste ano de 2011, reproduzem-se saudações de boas vindas ao novo ano e repetem-se, indiferenciadamente, votos de um bom e feliz 2012. Votos que são efectuados ora por contacto pessoal, ora de forma menos directa, afectuosa e pessoal por via de correio electrónico, cartões ou sms’s. Contactos que são efectuados ora de forma sincera, ora como convenção social.
Este ano optei por não desejar bom ano novo a ninguém. Esta opção nada tem que ver com um amuo, um estado de espírito depressivo ou ainda com um comportamento egoísta de guardar esses votos para mim e para os meus, recusando-me a partilha-los com todos os que lidam comigo. Tem que ver, sobretudo, com uma recusa convicta de alinhar no branqueamento de um período que será tudo menos bom.
Este ano resisti a deixar amolecer o meu estado de espírito pela quadra de paz e amor que, alegadamente, encerra o espírito do Natal e demais comemorações solisticais.
É bem verdade que esta quadra é caracterizada por um aparente de espírito de fraternidade e amor universal, com grande destaque para a valorização do convívio familiar e, sobretudo do consumo desenfreado, num estado de alienação de espírito que dulcifica a nossa maneira de ver o mundo.
Mas também é verdade que esta dimensão nada tem de fraterna quando provoca desconforto em todos aqueles que, por não terem família e amigos, por não terem recursos económicos para terem os níveis de consumo que nos são incutidos pela publicidade e toda a metralha disparada pelos meios de comunicação social e ainda pelo sem número de oradores de ocasião, que investidos no seu orgulho familiar ou com a sua situação económica arrasam os infortunados.
Estes factores, acompanhados pela grave situação do País e da Humanidade, levam-me, assim, a trocar a tradicional mensagem desejando um bom ano novo, por um grito de alerta e uma séria reflexão sobre o momento que vivemos. Sim, resisti à hipnose e alienação colectiva que me costuma atacar nesta época do ano.
II – Portugal é hoje um país conformado. Um país cujo Povo deixou de lutar, mas sobretudo de acreditar de uma forma geral nos seus dirigentes, nas políticas por estes desenvolvidas e, finalmente em si mesmo enquanto Povo.
Fomos fustigados, de forma subliminar, por termos adquirido casa própria, carro, por nos termos endividado, por termos aumentado o nosso nível de vida, e, consequentemente, condenados a pagar toda essa factura de termos aspirado a um melhor nível de vida.
Por isso, todos aqueles que nos incutiram confiança para levar a cabo essa melhoria, como sejam determinada classe política, a União Europeia, as grandes empresas, os bancos, a comunicação social, entre outros, apontam-nos agora o dedo e, com paternalismo reprovador exigem sacrifícios.
Ora, não foram eles que nos apontaram esse caminho? E já agora, que beneficiaram, de forma inequívoca dessa nossa conduta, ampliando o mercado, aumentando os respectivos lucros e resultados e oferecendo-nos uma panóplia de produtos que nos distraíram da realidade?
Uma pergunta se impõe: tendo sido a União Europeia, as grandes empresas e os bancos os beneficiários desta nossa conduta, que agora reprovam, quais os sacrifícios que lhes serão exigidos, e em que medida?
É essa a pergunta a que não querem, nem podem responder, sob pena de acordarem as nossas consciências. Preferem, de forma grave e paternalista, indicar-nos o caminho do sacrifício, que é redobrado por agora nos ser tirado muito daquilo que, afinal de forma leviana, eles próprios nos proporcionaram.
Parámos para pensar e, numa histeria colectiva, chegámos à conclusão que exagerámos no consumo, que fomos além das nossas possibilidades. E com isso nos conformamos, auto-flagelando-nos com a aceitação mais ou menos generalizada das medidas iníquas e desequilibradas que nos impõem.
Preferimos hoje, exorcizar a situação actual, atacando desenfreadamente os outros, nos seus direitos e dignidade, esquecendo que esses mesmos direitos e dignidade são nossos. Sem dar-mos por isso, desatámos a projectar as nossas frustrações no exercício dos direitos dos outros, esquecendo que também nós somos titulares desses mesmos direitos.
Refiro-me, claro está, aos cortes na Função Pública, à custa das regalias e direitos laborais, em nome do combate a um Estado alegadamente gordo e ineficaz, do qual somos também parte integrante e beneficiária.
Refiro-me ao corte de prestações sociais de que podemos beneficiar, em nome do combate ao abuso ou à fraude.
Refiro-me ao aumento do custo de serviços assegurados pelo Estado, como os cuidados de saúde, os transportes públicos ou a circulação rodoviária, em nome da poupança, do combate ou abuso, ou tão só do princípio do utilizador pagador, esquecendo sempre a solidariedade para com os mais desfavorecidos ou para com as regiões menos desenvolvidas.
Refiro-me ao acentuar da instabilidade e precariedade laboral, em nome da saúde da economia, penalizando trabalhadores, especialmente os mais velhos e os mais jovens, cuja remuneração será, por esta via, ainda mais condicionada.
E todos, mas todos eles, resultam de Direitos Fundamentais inscritos na Constituição, cujo cumprimento é um dever do Estado, e cujo dever fundamental associado aparece sobre a forma de impostos. Paradoxalmente, a par da redução de direitos, os deveres aumentam de forma insustentável.
Por tudo isto, 2012 será um ano de sacrifícios, de insatisfação e frustração da generalidade dos portugueses. Espero enganar-me, mas esta frustração conduzirá, inevitavelmente, à intolerância. Mas não à intolerância contra os verdadeiros responsáveis do estado a que chegámos, ou pelos responsáveis pela injusta repartição dos sacrifícios que nos são impostos.
Na verdade, a intolerância virá dos portugueses contra os portugueses. Haverá muitos que prontamente apontarão prontamente o dedo aos que, insatisfeitos, exprimam o seu desagrado: “Greve? O país precisa é de trabalho!”; “Manifestação? Que trabalhem, e não incomodem quem trabalha!”; “Opinião diversa? O que importa é unir, porque o futuro é incerto, e temos de dar um sinal ao exterior!”. E seguramente que haverá quem até ache que alguns dos Direitos Fundamentais que suportam estas condutas, são afinal modeláveis, alienáveis e até mesmo descaracterizáveis, em nome de uma paz social que nos permita sair ordeiramente, pelo caminho que nos impuseram, desta situação.
É este, fundamentalmente, o meu receio em relação ao ano que se inicia: que seja um ano de destruição do essencial que levou séculos, de sangue, suor e lágrimas a construir: um sistema de Direitos Humanos, de Garantias e Direitos de Participação Política e de Direitos Económicos Sociais e Culturais.
E tudo, mas tudo, em nome de uma Paz Social que não pode existir, na medida da distribuição dos sacrifícios imposta aos portugueses. Tudo, mas tudo, por causa da letargia de um Povo que desistiu de lutar, e se conformou, em pânico, com o que lhe foi imposto.
Estamos em risco de perder muito, do nosso conforto e da satisfação das nossas necessidades, até das mais básicas, e se assim continuarmos, perderemos muito mais, perderemos a nossa dignidade, cuja expressão mais não é que o acervo de Direitos Fundamentais.
E tudo, mas tudo, porque qual avestruz enterrámos a cabeça na areia, e nos recusamos a ver a verdadeira causa das coisas, assumindo cada um de nós a responsabilidade como nossa, ou como de outros, particularizada em casos concretos e pontuais de injustiça e abuso. Em suma, virando-nos uns contra os outros, e a final, contra nós próprios!
III – A imposição de todas estas medidas de austeridade, decorre dos compromissos firmados com a União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, verificando-se especial pressão de países como a Alemanha e a França, curiosamente as maiores economias da zona euro.
O euro nasceu como forma de assegurar estabilidade cambial e evitar os perigos da prática da desvalorização competitiva de moedas num espaço de livre circulação de mercadorias e bens. Sem dúvida que se tratou de uma medida essencial e louvável, permitindo, em princípio, maior justiça nas transacções entre as economias integrantes da União Europeia. Sucede que, os critérios que fundam o Euro foram desadequados e desequilibrados para muitas das economias da zona Euro.
Optou-se por uma moeda forte, constantemente valorizada face a outras divisas, e óptima para quem importa matérias-primas e exporta produtos de alto valor acrescentado. Resulta claro quem beneficiou, e beneficia desta situação: os países mais desenvolvidos e cujo valor acrescentado da respectiva produção beneficiam com uma moeda forte. As consequências são evidentes para países com uma estrutura menos desenvolvida, mais dependente dos custos da mão-de-obra e das flutuações cambiais. Curiosamente, os mesmos que pagarão, mais uma vez, a factura do resultado dessas políticas!
Importante, não é a saída do Euro, ou a divisão da Europa em vários “pelotões”, como alguns advogam. Importante é o reforço da solidariedade europeia, e a adopção de novos critérios de convergência da Zona Euro, que se traduzam numa maior equidade na ponderação dos interesses das diversas economias que a compõem!
O Banco Central Europeu, cujas reservas resultam da contribuição dos Bancos Centrais dos Estados Membros não pode emprestar a esses Estados. Contudo, alimenta a especulação e a usura, ao emprestar a taxas reduzidas (1 %) aos bancos comerciais, o valores que estes emprestam a 5%, 6% e mais aos Estados, cujas reservas dos respectivos Bancos Centrais, sua propriedade, alimentam esse mesmo crédito concedido aos bancos comerciais.
Impõe-se por fim a este logro, a esta verdadeira imoralidade, cuja consequência é o seu pagamento pelos contribuintes dos países vítimas deste esquema.
Por isso, deve haver uma urgente renegociação da dívida, cujos encargos originaram todos estes sacrifícios pelo Povo Português e Europeu. Pela justiça, pela solidariedade entre os povos!
E para aqueles, que do alto da sua moralidade, alimentam este esquema, acrescentando com tom piedoso que os contratos e as obrigações são para cumprir, tenho uma mensagem: o nosso Código Civil, apesar da autonomia privada garantida às partes na celebração de contratos, prevendo situações de abuso, injustiça e exploração da necessidade alheia, impõe a todos os negócios privados esse respeito, sob pena de anulabilidade.
Se assim é relativamente aos contratos entre privados, na nossa vida quotidiana, não vejo razão para que não seja nos contratos que envolvam o Estado. Por isso, e não esquecendo a minha costela de jurista, transcrevo-vos três dessas normas:
“ARTIGO 282º
(Negócios usurários)
1. É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
2. Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos artigos 559º-A e 1146º.
2. Fica ressalvado o regime especial estabelecido nos artigos 559º-A e 1146º.
ARTIGO 559º-A
(Juros usurários)
É aplicável o disposto no artigo 1146º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos.
ARTIGO 1146º
(Usura)
1. É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2. É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição de empréstimo, relativamente ao tempo de mora, mais do que o correspondente a 7% ou a 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real.
3. Se a taxa de juros estipulada ou o montante da indemnização exceder o máximo fixado nos números precedentes, considera-se reduzido a esses máximos, ainda que seja outra a vontade dos contraentes.
4. O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282º a 284º.”IV – Perante tudo isto, não posso, como perceberão, alinhar na hipocrisia de desejar um bom ano de 2012, quando se torna evidente que ele não se perspectiva bom, nem justo.
Poderia ter ficado calado, no meu cantinho, e não vos incomodar. Mas não o podia fazer. Iria contra as minhas convicções e, acima de tudo, seria um desrespeito pela luta de todos que nos antecederam no labor de construir um mundo mais justo, um mundo de LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE, cujo aprimoramento quero continuar.
Para isso, apelo à consciência cívica, ao sentimento de justiça e à fraternidade de cada um de vós. Encolher os ombros não é o caminho! É tempo de interrogar, é tempo de incomodar!
Um abraço fraterno,
Rui Costa
Moralidade e Marmeleiro
Esta era a divisa inscrita na caricatura do Bispo D. António Alves Martins, de Bordalo Pinheiro. D. António Alves Martins, nascido em 18 de Fevereiro de 1808 em Alijó e falecido em Viseu a 5 de Fevereiro de 1882, foi Bispo de Viseu, líder político, Ministro do Reino e Par do Reino, sendo conhecida a sua filiação na Maçonaria. Liberal convicto e personagem polémico, foi uma figura marcante, pautada pela grande frontalidade e acutilância no debate, fosse ele político ou religioso.
Fazem falta homens desta dimensão, em momentos de grande tibieza das lideranças e das políticas dominantes.
Por isso, pedindo emprestado o título à gravura de Bordallo Pinheiro, e isnpirando-nos na falta de temor pelo debate que caracterizou D. António Alves Martins, tentaremos aqui, de forma descomprometida analisar a nossa sociedade.
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