quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Rasgaram a Constituição

I - No dia 9 de Março de 2016, Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa, perante o Plenário da Assembleia da República, tomava posse como Presidente da República, firmando o compromisso na forma constitucionalmente prescrita no artigo 127.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa: Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.

O Presidente da República é um dos garantes da Constituição, cabendo-lhe promulgar, vetar e suscitar a fiscalização preventiva e sucessiva da constitucionalidade de actos legislativos ou declarar o estado de sítio ou de emergência que pode, excepcionalmente, condicionar o exercício de direitos, liberdades e garantias.

O estatuto constitucional do Presidente da República sendo generoso quanto à sua imunidade para responder em matéria criminal (artigo 130.º da Constituição da República Portuguesa), imunidade que se percebe em nome da estabilidade do mandato de um órgão vital ao funcionamento do nosso sistema político, impõe também algumas restrições ao titular do cargo no exercício do mandato.

Nos termos do artigo 129.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesauma de tais restrições é a proibição de ausência do Presidente da República do território nacional sem o assentimento da Assembleia da República ou da sua Comissão Permanente (um órgão vicário da Assembleia da República que funciona fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia da República ou durante o período em que ela se encontrar dissolvida – artigo 179.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).

Esta restrição, que não abrange os casos de passagem em trânsito ou de viagem sem carácter oficial de duração não superior a 5 dias (excepcionados pelo artigo 129.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa), tem como consequência para a sua violação, de pleno direito, a perda do cargo (artigo 129.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).

II - Poderá parecer estranha esta necessidade de assentimento da Assembleia da República (ou da sua Comissão Permanente) para a ausência do Presidente da República do território nacional, mas a mesma tem todo o sentido, atendendo ao facto de este representar a República Portuguesa e de a sua eventual ausência e sequestro no estrangeiro poder comprometer o funcionamento do sistema político, considerando que a destituição do Presidente da República é dificultada – e bem – pela nossa Constituição.

Imagine-se que o Presidente da República decidia fazer uma visita oficial a um País com o qual Portugal estivesse de relações diplomáticas cortadas, como foi o caso da Indonésia, legitimando tacitamente com a sua presença a então ocupação ilegal de Timor-Leste…

Sendo certo que há quem afirme que a motivação para esta disposição constitucional se prende com a ida, em 1807, da família Real para o Brasil, como é o caso de JORGE MIRANDA (in JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, Coimbra, pág. 362), a verdade é que o artigo 129.º da Constituição da República Portuguesa tem, como vimos, outros fins.

Acresce que a própria Constituição da República Portuguesa estabelece como sanção para a violação deste preceito, “de pleno direito, a perda do cargo” (artigo 129.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa).

III – O actual Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, é um reputado constitucionalista e não pode ignorar a gravidade da violação do artigo 129.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, devendo também ter presente o compromisso por ele prestado na tomada de posse, na fórmula constitucionalmente prescrita: Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”.

É fundamental que o Presidente da República inspire nos portugueses a confiança inerente às suas funções de garante da Constituição, não podendo ceder à primeira emoção a uma violação, para mais tão grave da nossa Constituição.

Este não é o momento de apreciar ou tomar posição quanto ao frenesim de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República perante catástrofes e mortes em circunstâncias dramáticas. Este é sim o momento de avaliar a respectiva conduta à luz das suas funções e competências constitucionalmente consagradas.

Ora, é neste ponto que o frenesim atropelou a Constituição, coma visita oficial de Sua Excelência, o Senhor Presidente da República a Barcelona, para assistir à Santa Missa e prestar homenagem às vítimas dos hediondos atentados nas ramblas.

Marcelo Rebelo de Sousa viajou sem o consentimento do Plenário da Assembleia da República ou da sua Comissão Permanente, que a acreditar no Expresso (http://expresso.sapo.pt/politica/2017-08-21-Marcelo-nao-teve-autorizacao-do-Parlamento-para-ir-a-Barcelona.-Mas-ninguem-se-zangou ), só ocorrerá em Setembro.

Entretanto, o Senhor Presidente da Assembleia da República, a fazer fé no Expresso, com a anuência de todos partidos com assento parlamentar, aceitaram esta situação. Ora, como só o Presidente da Assembleia da República pode requerer ao Tribunal Constitucional a verificação da perda do cargo de Presidente da República nestas circunstâncias (artigo 90.º, n.º 1 da Lei de Orgânica e Processo no Tribunal Constitucional), o problema está aparentemente resolvido.
Tudo isto só lembra aquela rábula relativa ao aborto dos “Gato Fedorento”: “É proibido? Sim! O que acontece? Nada!”.

Sublinhe-se que, com esta atitude, todos os envolvidos trataram de criar um novo regime de excepção, desta vez à própria Constituição da República Portuguesa

IV – Todo este episódio representa, de certa forma, o atravessar de um “Rubicão”, uma fronteira do Estado de Direito para um estado de necessidade, aliás indiciado pelas fontes da notícia do Expresso: «“Para momentos excecionais, procedimentos excecionais”, diz fonte oficial do gabinete do presidente da Assembleia, justificando o "mecanismo informal de decisão" a que se recorreu para aprovar a viagem.».

É agora a todos lícito questionar sobre o que será a actuação dos responsáveis políticos em caso de uma calamidade acompanhada de grande comoção. Tudo isto não podia ter acontecido. E muito menos com a anuência de quem até agora fez da Constituição da República Portuguesa um elemento central do discurso na defesa de todos quantos foram fustigados pela austeridade.

Em matéria de princípios não pode haver excepções, muito menos com a justificação de eventuais incompreensões pela população ou em nome do que se pensa ser a vox populi. De outra forma legitimamos quem defenda que se queimem os incendiários amarrados a um pinheiro.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Como da igualdade se faz iniquidade fiscal


Sumário: Em tempos de austeridade, e em nome de uma pretensa igualdade de tratamento fiscal dos rendimentos de capitais, desagrava-se a tributação dos rendimentos prediais, ao mesmo tempo que se agrava a tributação dos rendimentos do trabalho, em claro desvio dos Princípios Constitucionais sobre a tributação do rendimento. Da pretensa igualdade fiscal, chegou-se à iniquidade fiscal. É tempo de lembrar as velhas liberdades ibéricas, de que Santo Isidoro de Sevilha foi percursor, e de apearmos o Governo injusto!
 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A função pública e equidade, segundo Vasco Pulido Valente (Aliás, a iniquidade de Vasco Pulido Valente)


Sumário: Vasco Pulido Valente, sob o título “Entendimentos da equidade” fez publicar um artigo de opinião na edição de 8 de Julho de 2012 do jornal “Público”. A propósito do recente acórdão do Tribunal Constitucional, pretensamente em nome da equidade, faz o discurso da iniquidade, espezinhando a dignidade profissional dos funcionários públicos. Mas também deturpando e omitindo muitos aspectos. Este discurso explora os sentimentos mais básicos, e constituí um verdadeiro ensaio do “discurso do ressentimento”. Impunha-se uma resposta clara, denunciando a injustiça na repartição de sacrifícios. Basta de atentados à inteligência dos portugueses!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Rui Rio, a direita autoritária e centralista e a Autonomia Local


Sumário: Rui Rio, Presidente da Câmara Municipal do Porto veio por em causa a Autonomia Local. Durante a Universidade do Poder Local, levada a cabo sob a égide da JSD, lá tratou de dizer que os Municípios endividados não deveriam ter eleições, devendo ser geridos por Comissões Administrativas. Significa isto que, perante eventuais falhas na qualidade da gestão dos autarcas, são as populações privadas da sua autonomia local. E é também uma afirmação própria da direita portuguesa: uma direita centralista e autoritária. Ciclicamente, em tempos de crise, a direita portuguesa promove movimentos centralizadores. É uma evidência que a nossa direita não é liberal, mas é autoritária… Interessa ainda, neste momento, perceber quais as causas do desequilíbrio financeiros das autarquias locais, e que caminhos percorrer para uma efectiva autonomia local. Quanto a Rui Rio é paradoxal que, referindo-se a má gestão, queira punir os eleitores e não os eleitos!

sábado, 19 de maio de 2012

O Manifesto por uma Esquerda Livre e o Bloco


Sumário: Um conjunto de personalidades apresentaram, esta semana, o Manifesto por uma Esquerda Livre. Trata-se de um documento sem novidades, mas que gerou um conjunto de reacções que não poderiam ficar em claro. O momento não é de sectarismos, mas sim de construção de uma Esquerda popular, plural combativa e influente!

quarta-feira, 9 de maio de 2012

De Herne (Alemanha) para a Europa, pela Esquerda!


Sumário: A realidade política europeia, quer seja quanto às suas políticas e ao funcionamento das suas instituições estão na ordem do dia. Tal como na ordem do dia estão as votações nas eleições do passado fim-de-semana. Tive a felicidade, nesse momento, de estar em contacto com a realidade alemã e com cidadãos europeus de outros países, bem como de ler “O eterno retorno do fascismo” de Rob Riemen. Fiquei inquieto com o que apreendi e com os resultados eleitorais. A ascensão da extrema-direita e a facilidade de penetração de discursos simplistas, e muitas vezes de ressentimento impõem uma reflexão sobre a Europa e a Esquerda. Mas também sobre o Bloco de Esquerda, reflexão que dedico a quem de muito discordei: Miguel Portas. Sim, porque a Grande Esquerda se constrói com a diferença!

terça-feira, 1 de maio de 2012

O Bodo aos Pobres, por Soares dos Santos. A que custo? À custa da dignidade…


Sumário: A promoção levada a cabo pelo “Pingo Doce”, em pleno 1.º de Maio, mobilizou dezenas de milhares de pessoas. Um verdadeiro bodo aos pobres, com consequências graves, e cujo preço pode ser afinal insuportável para o Povo Português e para o Estado de Direito Democrático. Com esta promoção poderá até ter sido posta em causa a autoridade do Estado. Até quando, e com que consequências?