quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Concertação Social ou a morte dos sindicatos, tal como os conhecemos

Sumário: Foi hoje assinado, com pompa e circunstância, o acordo de concertação social. Como já se havia verificado noutras épocas, a CGTP retirou-se da mesa negocial e a UGT negociou e consentiu num mau acordo para os trabalhadores. Associações Patronais e Governo congratularam-se com o acordo alcançado e afirmaram, de forma magnânima, que não há vencedores nem vencidos. Mas na verdade houve vencedores, na mesma medida em que houve vencidos. Vencedor, o Governo, que desta forma assume medidas drásticas para o saneamento financeiro do país, mais uma vez à custa da mole de trabalhadores que constituem a classe média. Vitoriosas as associações patronais, que ganham com a precariedade e a desregulação do mercado de trabalho e com o aumento do tempo de trabalho. Com este acordo, reduz-se o subsídio de desemprego (previamente pago pelos trabalhadores com as suas contribuições para a Segurança Social), aumentam-se tempos de trabalho e reduzem-se compensações por cessação de contrato de trabalho. Vencidos, os milhões de portugueses que são trabalhadores por conta de outrem, pelos motivos óbvios, e ainda por permanecerem impávidos e serenos, face à inevitabilidade que lhes foi vendida. E os movimentos sindicais? Esses não estão vencidos, estão mortos há muito, pelo menos na forma que os conhecemos, só que ainda ninguém lhes disse. Há que mudar este estado de coisas!


I - Com o título falacioso "COMPROMISSO PARA O CRESCIMENTO, COMPETITIVIDADE E EMPREGO", foi hoje assinado o novo acordo de concertação social, entre Governo, entidades patronais e uma central sindical, a UGT, após a CGTP ter abandonado a concertação social com o argumento de que este era o maior ataque de sempre aos direitos dos trabalhadores.

E tem razão a CGTP, pois este acordo prevê:

1 - A redução do prazo e montante da concessão do subsídio de desemprego, que é pago pelas contribuições acumuladas pelos trabalhadores para a Segurança Social;
2 -. O alargamento das causas de despedimento.
3 - A redução dos montantes indemnizatórios suportados pelas entidades patronais em caso de despedimento.
4 - O aumento e flexibilização do tempo de trabalho.
5 - Reduções salariais na prestação de trabalho suplementar.

Poderia até, dependendo da perspectiva política e ideológica, aceitar-se estas medidas, com compensações de outra ordem aos trabalhadores. Mas, consultando todo o documento, não se encontra uma medida ou conjunto de medidas que possam compensar esta desregulação do mercado de trabalho.

Já quanto às empresas, verificamos um conjunto de medidas, que vão da simplificação fiscal para as PME, linhas de crédito e alteração de políticas na gestão de fundos comunitários.

É fácil de perceber o desequilíbrio deste acordo e as suas consequências: décadas de luta social pelos direitos dos trabalhadores, que procuraram sobretudo criar um equilíbrio que favorecesse a parte naturalmente desfavorecida nos contratos laborais, foram deitados pela janela fora. É evidente a desproporção de poder entre entidade patronal e trabalhador, que resulta dos diferentes graus de interdependência das partes. Facto ainda agravado pela crise de emprego que vivemos. O favor laboratoris como princípio da política legislativa no direito do trabalho, enquanto factor de reequilíbrio e de justiça entre partes desiguais numa relação jurídica, foi por este acordo transformado numa peça de arqueologia jurídica.

Curiosas as diferenças das direitas: António Oliveira Salazar, na sua acção governativa teve o cuidado, com as suas condicionantes ideológicas, de proteger o trabalhador e regular o mercado de trabalho (a velha lei do contrato de trabalho, que vigorou até à entrada em vigor do Código do Trabalho, resultou, apesar das alterações para melhor após o 25 de Abril, da acção do seu Governo).

Hoje, a direita nivela por baixo: faz da redução da remuneração e condições de trabalho o alfa e o ómega do sucesso e da competitividade do país. Só se esquecem que, para essa via ter sucesso, têm ainda muito que destruir, para que Portugal atinja níveis como a China ou a União Indiana! É, por isso, um esforço inglório e pouco ambicioso. Está condenado ao evidente insucesso e revela uma ausência de génio que faz bons governantes e boas políticas. Revela a total incapacidade para encontrar soluções que tirem Portugal do estado a que chegou.

II - O que é espantoso, é o facto de este acordo ser recebido pela esmagadora maioria dos portugueses que são trabalhadores por conta de outrem, com passividade. Retiram-lhes direitos, precarizam a pouca estabilidade laboral que tinham, frustram-lhes as expectativas que alimentaram com pesados descontos para a Segurança Social e obrigam-nos a trabalhar mais, tudo, mas tudo, na vã esperança de manterem o seu posto de trabalho

Como se percebe, pela actual conjuntura e pela reduzida margem de manobra para o país competir neste tabuleiro pela competitividade, atendendo às ainda colossais diferenças nos custos de mão-de- obra com países menos desenvolvidos, para os trabalhadores por conta de outrem, este não é um acordo, é antes uma capitulação incondicional!

Então, porque razão esta capitulação incondicional não foi sequer antecedida de qualquer resistência?

A resposta não é simples, nem se pretende dar por inteiro. Pretende-se somente dar algumas contribuições.

Em primeiro lugar, o consumismo que se verifica desde a adesão de Portugal às então Comunidades Europeias, tolheu o raciocínio dos portugueses. Cada um por si, para satisfazer as suas crescentes necessidades individuais. Muitas vezes alimentadas pelo crédito, cuja satisfação implica, a qualquer custo, a obtenção de um rendimento estável. E em nome disso, cada um de nós, foi consentindo paulatinamente na ablação voluntária de algumas normas do Direito do Trabalho que nos protegiam: fosse o regime do trabalho suplementar ou a própria remuneração, lá acabámos por ceder, sem dar por isso, em nome da satisfação das nossas necessidades e das grilhetas impostas pela satisfação dos nossos compromissos pessoais com a banca.

Por hora, apesar de alguns apertos momentâneos, as taxas de juro de referência não têm subido (e estão, em contradição com os cânones desta política económica, abaixo da taxa de inflação), pelo que os constrangimentos das famílias endividadas não atingiram, ainda o zénite. Mas é inevitável que tal aconteça, apenas não o queremos ver...

Infelizmente, apenas nesse momento sairemos do estado de embriaguez que nos encontramos, dando conta que todos estes sacrifícios nada serviram, bem pelo contrário, ainda debilitaram mais a situação.

Em segundo lugar, vivemos cada vez mais isolados, distantes de solidariedades que outrora tínhamos, e da convivência que nos aguçava o espírito crítico. Somos cada vez mais ilhas isoladas na sociedade em que vivemos, cujo interface com os outros são relações despolitizadas e os media. Cada vez mais, estamos desprotegidos, pela ausência do raciocínio crítico que desenvolvemos na interacção e discussão política, e nos vemos confinados à informação que convenientemente nos é fornecida unilateralmente, e sem hipótese de contraditório, pelos media.

E foi assim que, no meio de fantásticas novelas e reality shows, levámos, a latere, a injecção atrás da orelha (outrora se dizia que era dada pelos malvados comunistas) da inevitabilidade de medidas drásticas contra a crise. Por isso, num clima de pânico, aceitamos passivamente a ablação dos nossos direitos laborais e sociais mais elementares, mesmo que sejam medidas desproporcionadas com as que são impostas ao capital para resposta à crise.

Em terceiro lugar, cada vez nos relacionamos menos com os movimentos e instituições que deveriam representar os nossos interesses. O alheamento dos cidadãos da vida política, expresso pelas taxas de abstenção, pela falta de participação e consciência cívica e pela redução do número de sindicalizados levou, inevitavelmente, a duas situações:

1 - A um cada vez mais despudorado ataque aos direitos laborais e sociais, por uma larga maioria da classe política, ironicamente confortada por amplas maiorias expressas nas urnas, dadas por aqueles cujos direitos são restringidos.
2 - A uma debilitação das estruturas dos partidos políticos e sindicatos, que estão à mercê de políticos e sindicalistas profissionais, cuja distância aos interesses que deviam representar é cada vez maior.

Este facto, não deixa de ser responsabilidade nossa: quem, por acção ou omissão, permitiu as eleições verificadas para os órgãos de soberania, os órgãos partidários, ou para os órgãos dos sindicatos?

Somos, colectivamente, enquanto povo, os maiores responsáveis por esta situação, por mais que o tentemos negar com reacções epidérmicas contra a classe política e sindical. Foi o nosso individualismo, a nossa falta de solidariedade, a nossa abstenção e o nosso consumismo que nos conduziram até aqui.

III - As duas centrais sindicais tiveram comportamentos díspares na elaboração do presente acordo de concertação social.

A CGTP abandonou as negociações, dizendo que este era o maior ataque de sempre aos direitos dos trabalhadores. Esta não foi a primeira vez que o disse. E talvez a CGTP, fruto de um discurso monocórdico e previsível, sempre catastrófico, e quase sempre alinhado com o PCP, tenha caído na velha história do "Pedro e o lobo", o que lhe diminui a capacidade de intervenção para além daquilo a que estamos habituados.

A CGTP pagará, com a conduta reiterada de anos, o preço de um discurso de agressivo e de inflexibilidade, quase sempre catastrofista e datado no tempo. Hoje, são outros os tempos, e as estratégias de comunicação e de luta devem ser adaptadas aos tempos e mentalidades quotidianas, sob pena de marginalização social. E esse preço, já alguns partidos de esquerda, ao optarem por essa via, pagaram bem caro.

Existe, por isso, uma desadequação clara entre o discurso e prática da CGTP e o pensamento e conduta da maioria dos trabalhadores portugueses.

A ausência de uma ampla, forte e significativa frente de contestação a este acordo, significará, inevitavelmente, uma clara desvalorização da CGTP enquanto parceiro social, e enquanto movimento social e sindical com efectiva capacidade de influência nas decisões nacionais. E isto dita a morte da CGTP.

Já a UGT, tratou de assinar prontamente este acordo, facto a que não será alheia a promiscuidade entre os seus dirigentes e o PS e PSD. Com este acordo, a UGT capitulou e de forma inequívoca renunciou à luta de mais de um século dos sindicatos. A UGT assinou de cruz um acordo que representa, de forma clara, um retrocesso civilizacional, sem que se veja qualquer benefício para os trabalhadores, que não seja uma vã esperança de manutenção do posto de trabalho, a todo o custo. Noutros tempos, a UGT chegou a ser apelidada de "sindicato amarelo". Com a subscrição deste acordo é, afinal, "cor de burro quando foge". E com a assinatura deste acordo, a UGT assinou também ela a si própria um atestado de irrelevância política, e consequentemente de óbito.

Destas deficiências de actuação das duas centrais sindicais, resulta claro o prejuízo da esmagadora maioria dos portugueses. A sua conduta, traduziu-se na negação ou, em termos menos polémicos, na ineficiência do seu papel na sociedade. E assim ditam a sua morte, tal como as conhecemos!

A verdade, é que os sindicatos estão, há muito, mortos enquanto representantes da maioria da população. Só que ninguém lhes disse. E os motivos, foram supra enunciados. Hoje, para muitos sindicalizados, os sindicatos pouco mais representam que uma espécie de seguro de assistência jurídica.

Os movimentos sindicais, tal como os movimentos de esquerda, precisam de se adequar à realidade sociológica que naturalmente os pode apoiar. Nem a radicalização desacompanhada de uma maioria de apoio, nem a capitulação, são caminhos que permitam à Esquerda e aos movimentos sociais contribuir de forma efectiva para a igualdade e progresso social que almejam! Apenas os deslegitima.

Muito há a fazer para a revitalização do movimento sindical e da esquerda, cuja vitalidade e poder é fundamental para o progresso e justiça social. A actual situação, apenas aproveita a meia dúzia, e prejudica a maioria dos portugueses. Até quando vamos estar de braços cruzados?

Ventosa, 18 de Janeiro de 2012

Rui Costa

3 comentários:

Planetas - Bruno disse...

Caro Rui, concordo consigo, apenas vou acrescentar uma tese a respeito da passividade do povo face às medidas. antes, no governo de Sócrates, todos sem excepção, sentiam que os seus direitos eram respeitados e por isso todo o ódio era destilado sem pejo ou recato. Hoje, face ao terror que este governo reparte, o povinho assobia para o lado e passa desapercebido!
Bem-haja

Rui Costa disse...

Caro Planetas . Bruno: Compreendo que me diga que havia mais contestação no tempo de Sócrates, e que este Governo inspira terror no Povo Português. Todavia, algumas destas medidas resultam de um documento ao qual o PS de Sócrates, o PSD de Passos Coelho e o CDS de Portas deram expresso expresso aval: o Memorando de Entendimento com a Troika. Mas isso, parece ser esquecido por muitos. Afinal, os partidos do Governo enganaram que se quis deixar enganar...

Planetas - Bruno disse...

Caro Rui, não ignoro o acordo assinado, como certamente não o fará perante o regozijo do Ministro Álvaro ao afirmar que este acordo vai muito para além do referido acordo!