sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

A Maçonaria: resposta às inquietações de Daniel Oliveira

Sumário: Daniel Oliveira publicou "Maçonaria: a loja de coveniência da democracia". Tal texto, pela gravidade de algumas considerações sobre a Maçonaria e uma posição de ataque a Direitos Fundamentais nele sugerida, não pode passar sem uma resposta clara. Em muitos aspectos é um texto cujo teor e conclusões põem em causa não só a honorabilidade da Maçonaria, como os mais basilares Princípios do Estado de Direito Democrático.


Muito pouco tempo após ter publicado o texto "Maçonaria: resposta a algumas inquietações", tomei conhecimento de um artigo de opinião, publicado na página do semanário "Expresso", da autoria de Daniel Oliveira, com o título "Maçonaria: a loja de coveniência da democracia".

Começa Daniel Oliveira, por usar uma táctica muito comum, e politicamente correcta, de elogiar o alvo antes de o tentar desancar de uma forma subtil e certeira.

Com efeito, Daniel Oliveira começa por reconhecer o "carácter democrático" (quererá seguramente referir-se ao papel dos maçons, individulamente considerados, nos movimentos liberais e/ou republicanos dos Séculos XIX e XX, e da oposição ao Estado Novo)  que, a seu tempo, a Maçonaria teve, para logo e num passo de mágica lhe retirar, no presente, qualquer "carácter democrático", sem qualquer justificação ou considerando adicional.

Sem estar ainda satisfeito, Daniel Oliveira lá vai dizendo que "foram-se os valores e ficou o poder", mas uma vez sem qualquer tipo de fundamentação, quer quanto à ausência de valores, quer quanto à existência de poder.

Feita esta corte à Maçonaria, digna da fábula da raposa e do corvo, Daniel Oliveira parte ao ataque, dizendo que "A verdade é esta: organizações secretas só o são, em democracia, porque nelas se trafica o que não se pode traficar à luz do dia. Raramente são ideias, porque essas, em sociedades livres, não precisam da obscuridade. Quase sempre são negócios, influências, empregos e poder. E se a coisa se passa na sombra torna-se tentador tornear a lei.".

Esta é uma dedução digna do personagem da série infantil "Os Amigos do Gaspar", chamado "Guarda Serôdio". Como desconhece a realidade, opta por sobre ela lançar suspeitas e anátemas sem qualquer fundamento, não hesitando em claramente condenar com base em suspeições.

Mais, Daniel Oliveira parece não ter noção que há ideias cuja discussão implica reserva, seja elas discutidas ao nível político, profissional ou pessoal, seja no âmbito de uma organização ou de um grupo de amigos. Essa reserva na discussão de ideias faz parte de qualquer relacionamento humano. A menos que Daniel Oliveira julgue (como parece de facto mais à frente), que as ideias ou conversas não podem estar ao abrigo da reserva da vida privada!

O cronista caiu, no fundo, no que vem a referir no texto em tom crítico: a "paranóia" em que caem alguns dos cultores da teoria da conspiração. Aliás, ironicamente acabamos por ver Daniel Oliveira a fazer coro com Alberto João Jardim nesta matéria!

Discorrendo sobre as razões que levam "em democracia, uma pessoa honesta e livre a participação em organizações secretas", responde Daniel Oliveira que "Imagino que seja a distinção de ser escolhido para um circulo restrito de "eleitos". Uma reminiscência da adolescência. Nunca devemos desprezar a importância de nos sentirmos importantes. E há tanta gente que se leva tão a sério...". Uma forma depreciativa, preconceituosa e intolerante de encarar as motivações de cada um. Às tantas Daniel Oliveira seria capaz de produzir o mesmo tipo de raciocínio quanto aos motivos para uma "pessoa honesta" ser de direita, ou ser religiosa...

Esta é uma demonstração clara da soberba intlectual de que enferma, de forma grave Daniel Oliveira, e que tanto lhe tolhe o pensamento.

Quanto à motivação de "carreiristas e traficantes se sentem bem neste tipo de organizações" tenho de concordar inteiramente com Daniel Oliveira. Devo, no entanto, lembrar-lhe que, enquanto organização Humana, a Maçonaria está também exposta aos defeitos dos que a integram, sem que possa, de forma eficaz preveni-lo.  E nem todos os maçons, serão gente boa. Agora o todo não pode ser confundido com a parte, e este é um racicínio infelizmente aplicável outras organizações e a todos os partidos políticos, até mesmo aquele em que eu e o Daniel Oliveira militamos.

Sem entrar em considerações sobre o caso concreto que levou à escrita do artigo, cuja censurabilidade admito discutir face a dados concretos, preocupa-me a conclusão e sugestão de Daniel Oliveira relativamente à Maçonaria: "o secretismo da Maçonaria (ou de qualquer outra organização do género) não tem proteção constitucional", numa interpretação abusiva do artigo 26.º, n.º 1 da Constituição.

No Estado Novo, do qual eu, e julgo que o Daniel Oliveira também, não quero o regresso, é que se impunha para o acesso à função pública uma declaração de negação de pertença à Maçonaria, entre outras organizações, para o acesso à função pública!

Com esta afirmação lapidar, pretende Daniel Oliveira, em nome da transparência, que caia a reserva sobre a vida privada, com assento constitucional, designadamente para os titulares de cargos políticos, no que tange à sua filiação na Maçonaria.

Percebendo a aparentemente ingénua ânsia de transparência e bondade de Daniel Oliveira, que com isto pretende que o grande público possa ajuizar dos factores que condicionam os titulares de cargos políticos, está, em nome de um fait divers, a abrir uma perigosa caixa de pandora, que conduz à verdadeira supressão da reserva da sua vida privada para os detentores de cargos políticos.

Entende o Daniel Oliveira, que em nome dessa tranparência, um titular de um cargo político deva declarar a sua orientação sexual, religião, raça, simpatía clubística, condições de saúde, consumo de psicotrópicos, leituras filosóficas, amizades ou relações sentimentais?

É que na verdade, todos estes elementos, da mesma forma que a filiação na Maçonaria, são susceptíveis de influenciar decisões ou fuga de informações, ou pelo menos de permitir a sua análise a esta luz, por titulares de cargos políticos...

Os tempos de crise e convulsão social, por vezes têm destas coisas: em nome da satisfação imediata de sentimentos de justiça, causados pela frustração em que caímos, somos capazes nós próprios de alienar os nossos mais elementares direitos, que levaram gerações a conquistar e consolidar. Como cantava Sérgio Godinho: "O fascismo é uma minhoca que se infiltra na maçã, ou vem de botas cardadas, ou com pezinhos de lã. Não é? Ai isso é".

Ventosa, 6 de Janeiro de 2012

Rui Costa

3 comentários:

José Jorge Frade disse...

Excelente!

sim disse...

Muito bem, !!!

César Laranjo disse...

Identificar para atacar?
A Liberdade é um conceito muito flexível, como a coluna vertebral de alguns.
O que seria se uma qualquer religião fosse considerada como parte obrigatória do CV de cada um...